Xadrez – Noivo enfeitiçado
O jogador senta diante do tabuleiro, e começa a jogar, e vai calculando os próximos lances e vislumbrando aquela posição perfeita, e conforme o tempo passa o jogo vai tomando corpo e a posição é alcançada. Mas, ele tem uma sensação estranha, e vê tudo difícil e feio, e chega a sua vez de movimentar a sua peça, até que ao fazer o movimento e ao bater no relógio, seus olhos se abrem e ele vê que não era bem aquilo. Ele fica surpreso: “como eu não viu isso antes, minha posição era bela”. E fica divagando sobre o leite derramado. Como se tivesse enfeitiçado.
Para exemplificar, pense naquela história cearense, que geralmente aparecem trazidas dentro de um cordel, aqueles livrinhos de bolso cheios de poesias e sabedorias. Pois é através de uma dessas histórias que vamos refletir sobre o sentimento do jogador de xadrez, que não sabe quando está numa posição superior, isto é, não sente o quão poderoso e bonito está o seu jogo.
No começo do ano, estava no Ceará e fui ao Mercado Central de Fortaleza, lugar muito colorido, cheio de muitas lojinhas com mercadorias pela boca. Todo espaço tomado de gente, passando devagar, mas vez ou outra aparece um que vem compressa e só falta levar você no peito. Negócio de doido! E eu procurando uma camisa com algum letreiro engraçado, destes textos tirados da sabedoria popular. Como não tinha ninguém me pastorando, para dizer isso faz mal. Resolvi comer um pastel com caldo de cana! Que gostosa é esta combinação de doce com salgado, muito prazeroso. E resolvi sentar e apreciar este alimento tão brasileiro. Quando olhei para o chão havia um pedaço de papel, que parecia ser parte rasgada de uma página de uma revista ou livro popular, que rolava por baixo das mesas ao ritmo do vento.
No papel pisado estava escrito: “- No sertão do Ceará tem uma lenda que um noivo, antes do casório, foi levado pela família da moça a um Centro de Umbanda. Depois disso. No momento que disse “sim” no casamento diante do altar passou por uma mudança repentina. Quando olhava para alguma donzela de pertim esta lhe parecia feia, mas de longe ele tinha visto bonita. Apenas a sua escolhida aos seus olhos era bonita de qualquer jeito.
Quem levou o rapaz para o terreiro foi a sogra dele. Isso é coisa de sogra. E foram a mais de um. Lá ele recebeu passo…” Acabou o texto, a página estava rasgada.
Para não perder o fio da meada, vamos fazer um exercício.
Acho que continuaria assim. - Tocou tambor e conversou com o caboclo entoado. Este caboclo foi orientado pela pessoa interessada, estava atendendo a suplica da pessoa conhecida, que deve ter mostrado as reais intenções da visita para ele. E por um frequentador assíduo do terreiro se faz de tudo. Então, o caboclo com seu espírito plantou nele uma mandinga, a fim de afastar possíveis pretendentes ou amantes, que pudessem atrapalhar o destino de sua noiva ora escolhida. Assim, estaria ele condenado ao: - “até que a morte os separe”.
Agora casado, quando via uma menina de longe, parecia-lhe bela e bonita, mas quando se aproximava via uma mulher de olhos esbugalhados, grandes e vermelhos. Outras ficavam com o narigão cheio de verrugas, e assim seguia vendo outras deformidades. Pura ilusão. Desta forma, a mulher dele era a mais bela. Mas, quando uma destas mulheres trocava aliança com outro mancebo, esta não mais se transformava na pessoa desforme às suas vistas. O feitiço se desfazia imediatamente, e ele ficava imaginando: - como ele não tinha visto tanta beleza antes?
Este é o sentimento do jogador de xadrez que tem seu repertório de aberturas, que ao olhar nos livros as partidas dos Grandes Mestres desenvolvendo as aberturas escolhidas a dedo, com movimentos firmes e certeiros. Mas, quando ele senta no tabuleiro e vai movimentando as figuras do tabuleiro, conforme a orientação do livro chega a uma posição superior, confortável, muito boa mesmo, contudo ele não enxerga e vê como se a posição fosse feia e obtusa, como se tivesse enfeitiçado. E ao fazer seu movimento, o feitiço se desfaz e ele vê como era bela sua posição.
E para curar isto? Só treinando. Continuar estudando e praticando o velho e bom xadrez.
Ainda bem que transcrevi os escritos do papel surrado, visto que a limpeza aqui é terrível, quando a faxineira viu aquele papel em cima da escrivaninha não vacilou e o levou para o lixo imediatamente. Para que explicações? Era um papel rasgado de alguma página, e tinha uma má aparência. E assim são as coisas. Não é verdade?
Lembrando que a continuação da história foi só para atender a nossa intenção de mostrar o sentimento do jogador, de maneira nenhuma teve como base acontecimentos reais, qualquer coisa parecida é apenas coincidência.
Autor: Paulo Sérgio e Silva
\PSS
Comentários
Postar um comentário