Xadrez vencendo as distâncias

Hoje com a internet não nos damos conta, sentados diante de um computador, não percebemos como é maravilhoso vê coisas e presenciar fatos do outro lado do mundo em tempo real. Contudo, nem sempre foi assim. A comunicação no mundo era como existe atualmente em locais remotos, onde as facilidades e serviços modernos não se fazem presentes. Entretanto, com base no avanço dos estudos nos séculos XVII e XVIII, e consequente evolução do uso da energia elétrica, o mundo começou a viver uma avalanche de novas novidades.


Retrocedendo ao século XIX, imaginemos como era viver e manter contato com outras culturas e nações, quando era necessário lançar mão do grande trabalho de mensageiros. A atividade ainda embrionária dos correios se valia totalmente de transporte marítimo e terrestre, como: navios a vapor e carroças a tração animal. As cartas levavam dias ou mesmo meses para chegar ao destino. É certo que estes métodos ainda não desapareceram, em terras longínquas bem distantes do mundo civilizado. Contudo, o mundo vai evoluindo e o conhecimento aumentando a capacidade criativa do ser humano moderno, dando suporte a novas invenções. Vira e mexe, está aparecendo coisa nova para a alegria, curiosidade e o desejo de quem vive a espreita destas novidades.

A INVENÇÃO DO TELÉGRAFO

Então, no século XIX, dentre as invenções maravilhosas, que tem abalado nossa imaginação, apareceu o envio de informações a cabo, isso por um fio de metal devidamente eletrificado. A transmissão de informação em curto espaço de tempo por quilômetros fascinou os contemporâneos desta invenção, que corresponderia ao aparecimento da internet no final do século XX. Esta invenção chamada telégrafo revolucionou o mundo da época, principalmente associada com expansão das ferrovias.

Em 1835, o inventor Samuel Morse (1791-1872) tinha construído o primeiro protótipo de um telégrafo, entretanto este só foi disponibilizado para demonstração pública em 6 de janeiro de 1838. Nesta ocasião o inventor fez a comunicação utilizando um código composto por pontos e traços, correspondendo a sinais curtos e longos, enviados de forma alternada. Este sistema de código foi desenvolvido por Samuel Morse, juntamente com seu assistente, Alfred Vail (1807-1859), sistema este chamado de código Morse.

Ao tomar conhecimento desta grande invenção, o Congresso dos Estados Unidos, em 1843, chamou Morse e concedeu recursos para a construção da linha telegráfica eletromagnética interligando as cidades de Baltimore e Washington, e depois interligando a Nova Jérsei. Logo o governo e os militares incorporaram em suas atividades o uso da nova invenção.

PATENTE DO TELÉGRAFO

Havia uma corrida em busca da invenção da transmissão de dados a cabo. Então, em paralelo a Morse, outros cientistas de diferentes países também estavam desenvolvendo essa técnica de transmissão de mensagens por cabo. Desta forma, somente em 1854 o Tribunal Supremo dos Estados Unidos o reconheceu como único inventor do telégrafo. Nos Estados Unidos, inicialmente as linhas telegráficas conectavam somente estações ferroviárias, depois foram utilizadas para uso oficial dos governos e, por último, para o envio de mensagens de pessoas comuns.

O Dr. David Alter (1807-1881) em 1836 alegou que inventou o primeiro telégrafo Americano conhecido em Elderton, Pennsylvania, usado entre sua casa e seu celeiro. Enquanto do outro lado do Atlântico, em 25 de julho de 1837, na Inglaterra, William Fothergill Cooke, um inventor, e Charles Wheatstone, um cientista, fizeram a primeira comunicação telegráfica elétrica entre as estações de Camden Town – onde Cooke estava, juntamente com Robert Stephenson, o engenheiro – e de Euston, onde Wheatstone estava situado.

Em 1832, Baron Paul L. Schilling von Canstatt (1786-1837) na Rússia criou o primeiro telégrafo eletromagnético. Ele tinha um dispositivo de transmissão que consistia de um teclado com 16 botões. Estes serviam para mudar as corrente elétricas. Ele foi um dos primeiros a por em prática a ideia do sistema de sinal de transmissão binário (on-off).

Enquanto em 1835, uma linha telegráfica foi instalada ao longo da primeira linha férrea alemã e uma rede telegráfica foi construída em Munique, Alemanha. Em 1837, Carl August von Steinheil de Munique, descobriu que pela conexão dos aparatos de cada estação a uma haste de lâmina metálica enterrada no solo, ele poderia eliminar uma linha e usar apenas um fio simples para comunicação telegráfica.

O invento demorou menos de uma década para chegar ao Brasil. Em 1852, por ordem do imperador D. Pedro II, Gilherme Schuch, o Barão de Capanema, pôs a funcionar o Telégrafo Nacional, conectando o Palácio Império no Rio de Janeiro ao Quartel General do Exército. As autoridades brasileiras trataram de planejar o lançamento de um cabo transatlântico até a Europa. Uma companhia inglesa lançou cabos nas águas do Atlântico entre Recife e Lisboa, em 1874.

XADREZ PELO TELÉGRAFO

A invenção encurtou distâncias e movimentou a modalidade dos jogos por correspondência de entidades de clubes de enxadristas. Logo o telégrafo e o código Morse foram usados por telegrafistas e entusiastas do xadrez para jogar a longa distância em tempo real. Desta forma, listamos alguns eventos importantes favorecidos pela nova facilidade de comunicação.

Em novembro de 23 a 25 de 1844, foi jogado um match entre o clube de xadrez de Baltimore, Maryland e Washinton, DC (38 milhas de distância). Nos Estados Unidos as duas cidades foram as primeiras a serem interligadas por telegrafo. As partidas foram jogadas durante a execução do teste de ajuste do telégrafo assim como para os jogadores este foi mais uma diversão. Um sistema de notação numérica foi usado. Os 686 movimentos que produziu o match foram transmitidos sem um simples erro ou interrupção. A primeira partida de xadrez foi jogada pelo Sr. Greene em Baltimore contra Dr. Jones em Washington. O Sr. Green ganhou.

Depois deste evento. Levaram uns 50 anos para um match por telégrafo ser jogado entre um clube xadrez nos Estados Unidos contra um clube de xadrez na Inglaterra. Morse foi também um jogador de xadrez seguiu a carreira de Paul Morphy (1837-1884). Existe ainda um daguerriótipo (*) de 1848 de sua esposa e filha jogando xadrez.

(*) daguerriótipo – precursor da foto, gravura em metal, atualmente muito encontradas em fivelas de cinto e suvenires.

Em 16 de agosto de 1858, o primeiro cabo telegráfico transatlântico foi lança do através do fundo do oceano no Atlântico Norte da Irlanda para o leste Newfoundland (1.600 milhas). Agora mensagens poderiam ser enviadas numa questão de minutos ao invés de 10 dias – o tempo de entrega de uma mensagem por navio. Depois desta instalação o Sr. Howard Staunton (1810-1874) de Londres lançou um desafio para Paul Morphy (1837-1884) em New York através do novo cabo transatlântico. Contudo, este cabo passou a ser usado comercialmente, e operou por apenas três semanas. Vindo a ser reparado somente em 1866.

Em 1861, o primeiro match de xadrez por cabo (movimento transmitidos por telégrafo) ocorreu entre Dublin e Liverpool.

Em 1865, um segundo cabo transatlântico foi lançado com sucesso (um cabo encaixado no anterior) e o primeiro a tornar-se operacional em 28 de Julho de 1866. E somente em 9 de março de 1895, o Clube de Xadrez Manhattan jogou por cabo contra o Clube de Xadrez British. Foram 10 jogos que tiveram em torno de 22 movimentos por cada partida. Um jogo foi empate por acordo. Todos os outros jogos foram julgados como empate pelo novo campeão de xadrez mundial, Emanuel Lasker (1868-1941).

Em 13 de março de 1896, começou o primeiro match de xadrez por cabo entre Grã Bretanha e os Estados Unidos. Foi organizado pelo Clube de Xadrez de Brooklyn, e seria o primeiro match de xadrez Anglo-Americano. O primeiro time do match tinha 8 jogadores para cada lado. USA ganhou o primeiro match por 4,5 a 3,5. Subsequente, o segundo match tinha 10 jogadores por time. Sr. George Newnes (1851-1910) foi presidente do Clube de Xadrez British e ele promoveu uma Copa de Prata que iria para o time ganhador. UK ganhou o segundo de 5,5 a 4,5. Outros matches que ocorreram depois destes seguiram usando 10 jogadores por time.

Em 1901, Sr. Arthur Napoleão dos Santos, Rio de Janeiro, participou do primeiro jogo de xadrez disputado à distância (em consulta e por telégrafo) por uma equipe do Brasil e uma da Argentina - que terminou com a vitória da Argentina.

NOTAÇÃO DO XADREZ PARA TELÉGRAFO

Naquela época, para a realização dos primeiros jogos buscou-se uma notação adequada, visto que apareceram alguns erros nos testes iniciais, pois não tinham uma notação padronizada, para minimizar a falta de entendimento entre os contendores.  Então, foi adotada uma anotação com letras, que foi apresentada por Louis Uedemann (1854 – 1912). Desta forma este método foi denominado código Uedemann.

O método especial de notação Uedemann passou a ser usado para transmissão de lances por telégrafo ou rádio, aliado ao código Morse. A anotação dos lances pelo código Uedemann, ou Gringmuth, aplica-se através do uso de duas letras para cada casa, assim a transmissão se dá usando quatro letras – duas letras referentes à casa de origem, seguidas por duas letras da casa destino. O roque por ser um movimento especial do rei, conforme a regra. É decodificado usando as letras da casa de origem e destino do monarca (assim o O-O do rei branco é GAKA, assim se aplica ao outro roque GADA). As casas são designadas a partir do lado das brancas do tabuleiro até o lado negro, as colunas da esquerda para direita, e as fileiras da mais próxima a mais distante. As colunas são etiquetadas por "A", "E", "I", "O", "O", "I", "E", e "A". As fileiras são etiquetadas por "B", "D", "F", "G", "H", "K", "L", e "P".


Por exemplo: 1.e4, e5; 2.Cf3, Cf3; temos: 1. GEGO SESO; 2. KAHI WATI

Este código de notação conhecido como Uedemann na verdade foi criado por Gringmuth em 1866, mas o nome que pegou para o sistema de notação foi Uedemann, que em torno de uma década reapresentou o método para uso nos jogos por telégrafo. O sistema se aplica seguindo os códigos no tabuleiro da figura anterior.

Esta notação hoje está em desuso. Com o aprimoramento dos meios de comunicação, a modalidade de jogo por telégrafo desapareceu. E consequentemente a notação ora apresentada ficou obsoleta, entregue ao passado.

Pela lei do xadrez da FIDE a notação oficial é a notação algébrica, que atende plenamente todos os casos do xadrez por correspondência.

CONCLUSÃO

A energia elétrica já era conhecida desde a antiguidade, entretanto os avanços científicos no estudo dos fenômenos elétricos remontam aos séculos XVII e XVIII. Antes as aplicações práticas para a eletricidade permaneceram muito limitadas, e somente no século XIX  os engenheiros foram capazes de disponibilizá-la para o uso industrial e residencial.
Dentre estas aplicações da energia elétrica estava o telégrafo. Verificamos que esta invenção teve um início um tanto quanto conturbador, referente a data da invenção e ao local, que foi definido pela justiça dos Estados Unidos somente em 1854. Que, em 1835, o inventor Samuel Morse (1791-1872) tinha construído o primeiro protótipo de um telégrafo, entretanto este só foi disponibilizado para demonstração pública em 6 de janeiro de 1838. Realmente, a invenção e o aprimoramento do sistema de transmissão de informação a cabo veio revolucionar o intercâmbio entre os povos de cidades, países, continentes etc. E consequentemente, os jogadores de xadrez destes locais.

Este evento logo no início chamou a atenção pelo ganho de tempo, com a ideia do uso comercial, entretanto logo encontrou outros concorrentes como o rádio e outros médios de envio de dados. Esta atividade antes atrelada à ferrovia passou a ser integrada aos correios, tendo em vista o aprimoramento da atividade postal. E remontando ao mundo do xadrez, os clubes e entidades de xadrez que têm a modalidade do jogo por correspondência se desenvolveram rapidamente no início do século XX, que teve que se reinventar a partir dos anos 80, devido à evolução do computador e a rede mundial, atrelados ao celular, hoje temos campeonatos por e-mail e correspondência no PC.

Enquanto o telégrafo associado às novas invenções foi se modernizando e se integrando ao mundo moderno. No começo eram simples pulsos e os sinais foram associados a engenhos impressores e transformados aos telegramas modernos. Entretanto, o pioneirismo desta invenção fascinou gerações e venceu distâncias.

Telégrafo elétrico

Autor: Paulo Sérgio e Silva
/PSS

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