Domingo, dever de casa e xadrez


Era domingo na capital do Ceará, ano de 1977, e os garotos da escola técnica tinham combinado de ir para a casa de um dos colegas de turma, para juntar o que cada um fez e concluir o dever de casa, que o mestre tinha passado na última sexta-feira. A cidade de Fortaleza acordou com um tempo bom, ensolarado, tinha algumas nuvens brancas, mas o sol nasceu forte. Quanto aos meninos, uns foram de ônibus, inclusive nosso Paulinho, que saiu cedo e sob-recomendações da mãe foi com os tickets contados: um para ir outro para voltar. O amigo morava no extremo leste da cidade, bairro do Papicu, e este ônibus passava próximo, mas não tão próximo, teria de caminhar várias quadras, visto que tinha que gastar apenas uma passagem para ir e outra para volta. Neste bairro tinha muito terreno, muita areia, casas grandes e novas. E as coisas melhoraram quando um amigo de turma entrou no ônibus algumas paradas à frente.




Figura 1 – Sala de jogos com mesa de xadrez e snooker (1)

Pensou Paulinho. – Poxa! Que bom! Já não estou só.
Quando o amigo Ricardo perguntou: – Não trouxe bolsa nem livros?
Paulo respondeu: – A minha parte está resumida nestas três folhas de papel ofício, que estou levando, não tá vendo?
Ricardo retrucou. – Só esta fina pasta?
E ambos riram.

Conversaram sobre a semana olímpica da escola, e o tempo passou logo. Chegaram ao ponto de ônibus que deveriam descer, conforme o mapa que Beto tinha passado.
E mudaram de assunto e foram seguindo pela calçada, quando tinha. Depois de caminhar, viram ao longo. Num portão grande estavam mais dois colegas. Um gritou de longe. – Venham já vão abrir o portão.

E foram correndo de encontro aos amigos Heitor e João, e o portão se abriu. Bem na hora. Quando estavam entrando na casa um carro parou à porta, eram Antônio, Carina e Nice, que também logo se juntaram aos amigos.

A manhã de domingo estava colorida e um vento agradável soprava, enquanto a imaginação dos jovens admirava a nova construção dentro daquele jardim por trás dos grandes muros brancos. A casa era bonita e os meninos foram para um dos cômodos, que tinha uma mesa de reunião, escrivaninha, estante e livros. 
O anfitrião repreendeu. – Não façam barulho, vou prender o cachorro lá atrás.

Todos se acomodaram. Quando viram as folhas de papel ofício escritas na mão do Paulinho. Ficaram curiosos, e pediram que lesse o trabalho para que todos se interassem do conteúdo. Rapidamente, puseram cadernos e os livros de ciências sobre a mesa. Antônio e João tinham escrito algumas coisas, assim como as duas meninas, mas surgiram algumas dúvidas. E a discussão estava boa, quando o dono da casa, o Betinho, disse para todos. – Se agente terminar esse trabalho rapidamente, teremos mais tempo para brincar lá no campinho, d’aqui de casa. E os trabalhos foram apressados, as anotações apresentadas foram aprovadas e depois da adição de alguns textos o trabalho foi logo concluído.




Figura 2 – Escola Técnica Federal do Ceará em Fortaleza-CE

Dona Iolanda, mãe de Beto, veio com uma boa merenda, recheada de bolo, bolachas, doce e refrigerantes. Logo depois, seguiram para o campo de futebol, hoje conhecido como campo de futebol society, com traves pequenas. As discussões em torno como seriam divididos os times tomou conta do ambiente.

Foi quando alguém perguntou: – E as meninas não jogam?
Por sua vez elas se olharam e não responderam.
Disse o Ricardo. – Não tem problema, vamos elas podem jogar.
Heitor, que não era de falar, disse o seguinte: – Também, não curto futebol, mas posso fazer um sacrifício.
Antônio completou: – Mas, mulher não joga futebol. E os uniformes?
Respondeu o Beto. – Arre égua! Deixa Carina e Nice responderem. E quanto ao uniforme não é problema, temos dois uniformes de times: um alvinegro e outro todo azul.

Enquanto discutiam o tempo mudou. As nuvens chegaram e começou a chover, e os planos mudaram.
A senhora mãe de Beto disse logo: - na chuva, não!
Então, foram para a sala de jogos na lateral da casa.
Todos concordaram com a afirmação do Paulinho: – que legal!

Na sala tinha um canto para ginástica com alguns pesos, banco de alteres e outros equipamentos. Também, tinha uma mesa de sinuca, outra de tênis de mesa desmontada, uma mesa de xadrez e cadeiras. E numa estante várias caixas com jogos de tabuleiro, gamão, dominó, damas, war etc. Contudo, o Betinho teve uma ideia, pediu que trouxessem a merenda para uma mesa junto ao tabuleiro de xadrez, e resolveu mostrar sua última partida do torneio da escola. E de quebra, ensinar o jogo para quem não sabia. Porque era incrível ter gente que não sabia jogar xadrez em nossa turma. (11/04/1977- Roberto Alves x Paulo Sérgio – Torneio da Escola Técnica Federal do Ceará - 1977).


A manhã passou rápida, e o pai da Nice encheu o seu grande carro com os meninos: Paulo, Ricardo, Antônio, João, Heitor, Carina e a própria Nice. Era uma kombi. Quanto a conclusão do trabalho, este foi apresentado pelo Ricardo e Heitor, para completar a participação de todos no dever de casa.

E pensando nas atividades do final de semana, o Paulo achou interessante a discussão em torno de sua partida do torneio da escola, justamente sua única derrota no torneio da escola. Perdeu-se ao fazer o quinto lance preto, 5 ..., Cf6. Enquanto, no livro do Bobby Fischer, partida 56, recomenda 5 ..., f6! Defendendo o peão na casa e5.


Bibliografia

Fischer, Robert J. – Minhas Melhores Partidas de Xadrez (My 60 Most Memorable Games), Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A. – Rio de Janeiro, 1969  (Partida 56). 

Observação (1): a figura 1 é uma composição retirada de parte de uma foto de uma sala de jogos encontrada na internet.

Autor: Paulo Sérgio e Silva
\PSS

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