Xadrez e o xeque-mate da verdade
Nesta
tarde de sábado, ao abrir o livro de Bobby Fischer “Minhas Melhores Partidas de
Xadrez” encontrei antes da primeira partida, um texto atribuído ao grande
enxadrista Emanuel Lasker, que fala do desaparecimento da mentira e hipocrisia diante
do tabuleiro, conforme destacamos abaixo. Inclusive este pensamento está
descrito na página “pensamentos” deste site. Então, sabemos que o jogo de
xadrez vai se desenvolvendo a partir do primeiro passo, o lance inicial, que
determina a linha de jogo proposta pelo condutor do exército branco. Que a cada
movimento vai expondo suas pretensões de ataque, enquanto do outro lado o
condutor do exército negro vai se defendendo em busca da iniciativa. O condutor
de cada reinado vai conduzindo cada movimento conforme seu caráter e personalidade,
deixando claro diante do tabuleiro o que ele é na essência. Assim, as máscaras
caem e estes contendores se mostram verdadeiros realmente como são. Não tem
jeito.
Figura 1 – Xadrez guerra das Cores
"Diante do tabuleiro, a mentira e a
hipocrisia não sobrevivem por muito tempo. A combinação criadora desmascara a
presunção da mentira; os impiedosos fatos, que culminam no mate, contradizem o
hipócrita."
Emanuel Lasker.
Ao longo de um jogo cada um luta
com as armas que tem, e preparam armadilhas, escaramuças, verdadeiras alçapões
são implantados por este ou aquele jogador, a fim de explorar as falhas de seu
oponente e aniquilar o rei adversário. Com base no seu histórico um jogador
prefere um jogo aberto, outro cerrado, ou conduzem com agressividade, tudo
conforme sua personalidade. E quando findo o jogo pelas ações de combinação de
forças das peças que empunham a espada vencedora, que determina o golpe final
de um xeque-mate, ou mesmo, na provocação de uma rendição do exército perdedor,
todo aquele ambiente de trincheiras, campos minados e ataques desaparecem. A
paz volta a reinar dentro do tabuleiro. E logo após o final do jogo durante a
resenha, quando os dois jogadores fazem citações às suas reais pretensões.
Neste momento, um jogador diz para o outro: – aquele lance que fiz era porque
estava pensando nisso. E o outro responde: – Eu pensei isso, mas fiz aquilo. E
assim vai... Uma coisa é certa, que no momento do xeque-mate tudo veio às
claras e pelo menos naquele instante o melhor batalhador venceu.
Desta forma, podemos concluir que
estas palavras também servem para a vida fora do tabuleiro. Num sentido mais
amplo, podemos reportar às relações humanas dentro da sociedade. Tendo como
exemplo uma eleição, processo intrínseco da atividade política. Que findo o
processo eleitoral e atingidos os objetivos eleitoreiros, ou não, deste ou
daquele concorrente. Tudo deve voltar à normalidade, e o resultado das urnas deve
prevalecer. Este resultado consagrou o vencedor, e as dissimulações ficaram
pela campanha. Como diz o dito popular “as
águas passadas não movem moinho”.
E falando de mentira e do que
está escondido. Isto nos reporta para outras palavras retiradas de um
treinamento de liderança (Reddit). Que diz: “nunca anuncie seu lance antes de fazê-lo”. Isto é, como no jogo de
xadrez, também, no jogo dos negócios e da vida existem suas escaramuças para
chegar ao almejado e desejado objetivo. Então, na vida real existem seus
“dribbles” num imaginário futebol ou num jogo de xadrez. Podemos concluir que
se for possível conhecer as aptidões e o caráter de seu oponente, isto facilita
bastante na preleção do tipo de ataque ou defesa a serem escolhidos. O enfrentamento
ficará tão mais facilitado dependendo do quão você tiver conhecimento de quem
está do outro lado do tabuleiro.
E dentro do tabuleiro temos
muitos exemplos, e poderíamos trilhar um caminho citando e tentando relacionar
as inúmeras linhas de jogo que este ou aquele tipo de jogador poderia seguir.
Sabendo que esta análise teria um grande universo de subjetividade. Assim,
vamos abordar uma posição para exemplificar as intenções escondidas de um
perigoso oponente, que podem estar camufladas por trás de uma aparente calmaria. Além deste exemplo. Logo depois também temos o link de um vídeo curtametragem muito interessante que retrata a nossa discussão em volta do jogo de xadrez e a revelação da personalidade dos participantes.
Observando rapidamente esta
posição tudo está aparentemente tranquilo, as brancas estão com as peças bem
postadas, protegidas, mas o que parece ser verdadeiramente firme não é. Então,
anunciamos que a vez é das negras, que jogam e ganham. Esta posição está no livro
de Ludek Pachman, “Fundamentos do Xadrez – O meio jogo”. Retirada de um match entre Opocensky (1892-1975, Checoslováquia) contra Trifunovic (1910-1980, Iugoslávia).
Figura 2 – Posição da partida Opocensky vs Trifunovic
Quando verificamos melhor, observa-se que o rei
branco está exposto, e está na diagonal (g1-a7) guarnecida por sua senhora
rainha. Agora as pretas jogam 1... Cg4!
Enquanto o computador sem pensar muito estava sugerindo uma linha mais óbvia 1...
Qb6. Figura 3.
Figura 3 – Posição depois de 1... Cg4
Forçando a rainha a se movimentar.
E as brancas movimentam a rainha fazendo 2.
De2. Atacando o cavalo que está em g4 e protegendo a casa d3. Figura 4.
Figura 4 – Posição depois de 2.De2
Mesmo assim as negras movimentam o outro cavalo
para de. 2... Cd3!!. Figura 5. Os cavalos não
estão defendidos, mas a rainha branca não pode capturar nenhum deles. Se
capturar um dois cavalos a rainha preta faz xeque em c5, empurrando o rei
branco para h1. E depois o cavalo que sobrou vai até o quadro f2 xeque e
capturar a rainha branca em seguida.
Figura 5 – Posição depois de 2... Cd3
Nesta posição as brancas podem fazer vários
movimentos, mas não adianta. O jeito é minimizar a perda de material. E as
brancas seguem jogaram 3. Bf3
abrindo mais um quadro de fuga para o rei em g2 e atacando o cavalo em g4.
Figura 6.
Figura 6 – Posição depois de 3. Bf3
As pretas realizam o movimento
ganhador 3... Dc5+, xeque, seguindo
o planejado. Sinta que depois que começou o assalto ao exército branco, este
não teve paz com a agressividade destemida das negras. Figura 7.
Figura 7 – Posição depois de 3... Dc5+
O rei branco escapa para o quadro g2. Então, as brancas
jogam 4.Rg2. Figura 8. E se a
majestade branca fosse para h1 o jogo continuaria com 4. Cxe1 5.Bxg4 Cc2
ameaçando a outra torre.
Figura 8 – Posição depois de 4.Rg2
A torre que estava em sua
aparente segurança cai diante do casal real. O cavalo preto captura a torre em
e1. 4.Cxe1+, e ganham a qualidade.
Figura 9.
Figura 9 – Posição depois de 4... Cxe1+
Na posição inicial aparentemente
tudo parecia sólido para o exército branco, com uma fragilidade que por pouco
poderia ser resolvido. Mas, não houve tempo, pois o exército negro viu na hora
certa a chance do ataque, vendo que poderia tirar proveito leve fraqueza
adversária. Um jogador menos agressivo e mais preocupado com sua defesa não entraria
neste tiroteio, possivelmente, iria optar pela sugestão inicial de Db6 para
fazer sobre a posição do rei branco em g1. Que certamente impediria o assalto
dos cavalos à sua fortaleza aparentemente tão bem estruturada.
Recomendamos que veja o filme “O Xadrez das Cores”. Este filme que está no youtube conta a história da
convivência de uma Senhora idosa e sua serviçal. Esta Senhora racista subjuga sua empregada de cor.
Ambas têm algo em comum o xadrez e a dor de ter perdido um filho. Na luta por
sua dignidade a empregada doméstica estuda o jogo de xadrez, uma das
ferramentas usada por sua patroa para subjugá-la, a fim de virar o jogo e
mostrar que independente da cor todos merecem respeito e consideração. E nesta história temos um final feliz. Segue o link do vídeo recomendado: https://youtu.be/NavkKM7w-cc
Bibliografia
- Fischer, Bobby “Minhas Melhores Partidas de Xadrez”.
Distribuidora Record de Serviços de Impressão S.A. – Rio de Janeiro-RJ, 1969, pág.10.
- Pachman, Ludek; “Fundamentos do Xadrez – O meio jogo”.
Editora Presença LTD – Lisboa-PT, 1979, pág.24.
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