Xadrez e um relacionamento passageiro


Revendo o que aconteceu neste ano encontrei uma foto dos participantes de um torneio que participei em setembro/2018. Na foto encontramos um casal amigo, que participam dos torneios juntos. Lembrei-me de um artigo sobre o campeão mundial e a namorada. No meu tempo de Universidade também encontrei uma menina que me chamou atenção.



Os dias na Universidade eram duros, entretanto entre trabalhos e estudos do dia a dia ainda existia a responsabilidade para com o grupo de xadrez. Abrir a sala de xadrez na área de lazer do Restaurante Universitário (RU) era um dos compromissos mais prazerosos dentre minhas obrigações. Era um local para jogar ou para simplesmente aprender os primeiros movimentos do jogo de xadrez. Uma regra muito aplicada era a proibição para que os frequentadores não jogassem outras formas de jogo no nosso ambiente. O negócio era jogar xadrez, resolver puzzles ou problemas, análise de posições etc, mas sempre aparecia alguém para jogar Damas na sala. E tínhamos que convidá-los para jogar em outro lugar, ou se voltar para o nobre jogo. Também, eram toleradas as reuniões de estudos em geral, desde que atendessem a calma e a comunicação em voz baixa em respeito aos demais, esta atividade não incomodava, porque os amigos logo seguiam para a biblioteca, e também a gente tolerava visto que eles mantinham a sala bem frequentada. Como o xadrez requer estudo, era mantida uma mesa em separado para tal atividade.
A sala recebia diariamente muitos alunos e alguns professores, que praticavam principalmente o xadrez rápido e blitz, conforme o tempo disponível. E dentre estes  frequentadores chamava à atenção a presença de uma garota muito bonita, uma verdadeira rainha. De cabelos longos, ondulados e dourados, olhos claros, belas feições e muito inteligente, que atraia os olhares dos presentes. Frequentemente, tinha em volta alguns admiradores ou alguma amiga ou mesmo o namorado. Num dia especial cheguei cedo ao RU, fui um dos primeiros, depois do almoço corri para abrir a sala de xadrez. Em seguida chegou aquela bela mulher, sozinha, e depois das apresentações seguimos por uma descontraída conversa sobre xadrez, como aprendeu, sobre os jogos em torneios, sobre as suas origens, a vida no Paraná e outros assuntos. Como sempre o tempo passou, e nem notei. Que os frequentadores da sala chegaram e saíram, todos foram para seus afazeres. E a conversa foi boa até no meio da tarde, quando o então namorado chegou e levou a bela enxadrista.
Depois daquela tarde de conversa, Maria Cristina veio algumas vezes à sala, mas sempre acompanhada como dantes. E junto tinha o namorado do momento por perto. Depois desapareceu. Passou alguns meses sem aparecer, pensei que tinha sido transferida para seu estado de origem. Até que um dia, saindo da biblioteca nos encontramos. - Não tinha nem reconhecido. Estava de óculos escuros, chapéu e tinha algumas ataduras no braço, como estava com pressa preferiu conversar em outra oportunidade. Então, combinamos nos encontrar na cantina no setor de Humanas no período da tarde, pois ela teria aula no Campus do Benfica. Quando cheguei ela estava em uma mesa do canto, muito discreta, cabeça baixa. Enquanto ela descrevia o acontecido, eu observava as marcas do acidente de carro, que tinha sofrido. O rosto perfeito agora tinha um nariz inchado, estava disforme, e algumas marcas que estavam sendo tratadas. Pelo corpo ainda tinha alguns machucados. E começamos a nos ver com frequência, fora do Campus. Assim, a gente ia namorando e jogando xadrez, tudo parecia bom. Os velhos amigos não estavam mais por perto, debandaram. Semanalmente, passei a frequentar seu apartamento, a família me recebeu muito bem, e sempre tinha um xadrez armado na sala, no escritório, na varanda. O pai e a irmã de Maria também gostavam do jogo. Um dia, depois de uma consulta, percebi que ela estava muito contente e apreensiva, pois ficaria internada em uma Clínica para se submeter a uma cirurgia corretiva. Se tudo fosse bem as marcas do acidente desapareceriam quase por completo.
No dia em que ela se internou fui à Clínica, para vê como estava. Também, informei que eu ia viajar com a equipe de xadrez da Universidade para o Estado do Maranhão. Ela estava muito contente. Na cidade de São Luiz, para mim o campeonato de xadrez por equipe foi sofrível, e para completar não consegui contato com ela nestes dias. Voltei para a cidade de Fortaleza, e ela tinha viajado para São Paulo, ainda em conformidade com o tratamento. Ainda nestas férias, também segui em uma excursão. O contato com ela continuava difícil. Quando retornei fiquei sabendo do sucesso das intervenções através dos pais da bela Maria. Na última vez que fui ao apartamento, ela ainda não tinha retornado. Aproveitando joguei algumas partidas com o pai de Maria, perdi várias no tempo. Estava muito lento. Acho que a cabeça não estava boa. Dias depois, pouco antes do início das aulas consegui falar com ela, que parecia fria e distante. Realmente, distante mesmo...
As aulas começaram e a encontrei com amigos defronte a biblioteca. Parecia a mesma de antes, estava muito bela, aparentemente as imperfeições tinham sido corrigidas. Que beleza! Mas, os amigos de outrora voltaram.
Quando me aproximei para conversar, ela apenas lançou um olhar e um mancebo saiu do prédio a pegou levemente pelo braço. E o grupo foi caminhando vagarosamente pela calçada. Entendi o significado do gesto, fiquei parado por um tempo. Acabou!

E nunca mais apareceu para jogar xadrez na sala. Segui a minha vida no curso de Engenharia, também envolvido em política, eleição do Centro Acadêmico, e o grupo de xadrez. Continuei abrindo a sala de xadrez. Em poucas oportunidades, eu a vi pelo Campus. Sempre de passagem, de longe. Algum tempo depois, fiquei sabendo que aquela menina bonita voltou a estudar em sua terra natal. O tempo passou e só o xadrez ficou daquele relacionamento.

Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS


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