Jogando contra um imitador no xadrez postal


Morando numa nova cidade, Natal-RN, tudo parecia novo. A cidade de Natal no Rio Grande do Norte tinha um ar de pequena cidade misturado com os movimentos de uma capital, parecia demais com a cidade de Fortaleza dos meus tempos de menino. O Rio Potengi na cidade de Natal está posicionado na mesma posição do Rio Ceará em Fortaleza, enquanto na capital Potiguar se fala em zona Sul e zona Norte; em Fortaleza se fala em zona Leste e zona Oeste, devido à disposição das cidades no litoral brasileiro. Duas cidades litorâneas separadas por pouco mais de quinhentos quilômetros. Mesmo com alguma diferença cultural, eu me senti em casa. - Vou morar aqui. Mas nos anos oitenta uma diferença notória era a política. O Ceará estava se livrando das famílias dos coronéis, mas o Rio Grande do Norte estava longe de se afastar das famílias dos Alves e dos Maias, que dominavam o estado sem rivalidade. Povo dominado.



Por motivo de trabalho, sempre estava viajando. Depois das viagens uma das missões era vê como estavam minhas partidas de xadrez por correspondência. Lê as cartas que chegaram com os lances e algumas palavras. Dentre as correspondências, às vezes a gente encontrava algumas que eram transmitidas em cartões postais, e outras vinham com selos comemorativos, eram verdadeiros suvenires. Que não sobreviveram aos cinco “esses” (*) domésticos, tudo ou quase tudo ia para o lixo. Entretanto, algumas anotações venceram esta fase da inquisição caseira.

Encontrei duas partidas, que joguei contra um oponente astuto. A situação era a seguinte, o torneio epistolar tinha seis participantes por grupo, isto é, eram duas partidas contra cada oponente, uma de brancas e outra de pretas, perfazendo dez partidas ao todo. Tinha um maço de envelopes, e para cada jogo tinha uma página com os dados. Antes de cada viagem, já deixava uma cartas preparadas, caso a posição fosse aguda e complicada. Se as partidas estavam no começo, enchia a resposta de lances condicionais: se fizer lance, eu faço isso. Nos casos complicados deixava a carta resposta preparada, com o quadro em branco do número do lance e o lance propriamente dito. Pelo telefone, minha esposa lia a carta para mim, do outro lado da linha, eu anotava o mesmo. Então, eu tinha a anotação Descritiva e a anotação Forsyth, depois do último lance, de cada partida. Sempre viajava com um tabuleiro na bagagem. Quando estava em terra, num Hotel, tudo era mais fácil. Mas, quando era uma plataforma de petróleo era um inferno, tudo apertado, tempo limitado para falar, sempre tinha fila. E eu com meu papel pequeno, para anotar o lance, sempre tínhamos novidades para falar. E dava certo.
Vamos fazer uma lembrança da eficiência dos correios no inicio dos anos oitenta. Uma carta simples levava três dias no máximo, para chegar a qualquer lugar do território nacional. Diferente da ineficiência dos correios nestes anos dois mil, no século vinte um. Uma carta simples pode chegar a trinta dias de tempo de transito. Por isso abandonei o jogo postal, epistolar, com suas cartas coloridas.

Em um destes grupos epistolar, comecei duas partidas de xadrez contra um oponente, que resolveu replicar os meus lances. No início parecia normal, abri minha partida de brancas com o peão do Rei na quarta, e4. Então, ele abriu a partida dele de brancas com o mesmo lance, e4. Respondi a partida que eu estava de pretas com o peão do Bispo da Dama na quinta casa, c5. Então, ele foi para a partida que ele estava de pretas e fez o mesmo lance, c5. Achei que era coincidência, não tinha problema, íamos jogar a defesa Siciliana nas duas partidas. Quando a partida chegou ao sexto lance, tive a certeza que ele estava replicando os lances. Na verdade eu estava jogando contra eu mesmo. Eu demorava, segurava o lance o máximo que podia, e ele não mexia na outra partida até eu aponta o meu lance. Fiquei irritado, mas o que fazer. Comecei a estudar uma forma de quebrar este vínculo. Além dos problemas normais do jogo, tinha um fato novo, pensar como o fazer seguir a vida por si. Ele estava simplesmente copiando meus lances e devolvendo na outra partida, isto era irritante. Se for assim, fiquei pensando em escolher uma partida famosa em um livro e seguir a mesma até o fim. Outra forma seria sacrificar uma peça, uma Dama; não! Era premiar este procedimento... Ou, uma posição. Até que no décimo lance segui uma linha, que sacrificava um peão. Ele demorou a responder. Assim, nosso oponente resolveu ficar com o peão das brancas, e na outra partida mudou o lance para não permitir a captura do peão por parte das pretas. Quando vi a resposta diferente, vibrei, fiquei muito feliz. Agora mãos aos trabalhos, tínhamos dois jogos de verdade. Fiquei leve, jogando rápido e seguro de que estava fazendo um meu jogo, e o oponente estava na dele.






Espero que tenham gostado da curiosidade que podemos encontrar num simples torneio por correspondência. Os imitadores são criativos, e esta foi uma estratégia de jogo usada para obter alguma vantagem. Só percebi isso depois do ocorrido ao analisar a situação, isto é, alguns meses depois. E um aviso, os imitadores estão soltos em qualquer lugar.

Observação-1: o nome do oponente não está claro nas anotações, desta forma usei um nome Marcos999 em substituição.
Observação-2: os diagramas foram analisados e gerados no site que sou cadastrado "chess.com".

Autor: Paulo Sérgio e Silva
\PSS

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