Xadrez – A aposta do cangaceiro
Quando aprendemos a
jogar xadrez com os meninos da rua, onde a gente morava, na cidade de
Fortaleza-CE. Todos os dias a gente jogava. E meu avô veio passar um tempo lá
em casa. Como de outras vezes, sempre tinha muitas histórias para contar. E
vendo os meninos em volta do tabuleiro, resolveu interromper e contar uma
história sobre xadrez, ainda no tempo, que os cangaceiros andavam pelo
nordeste. As histórias eram longas ricas em detalhes, mas tirando os floreados
que o tempo apagou a história era quase desse jeito. O ano de 1927 foi um ano
de seca no Ceará, e meu avô sempre afirmava esta triste condição, por isso foi
tão gravado.
E começa assim. Diante
de um sol escaldante. Vinha o Sebastião Vieira arrastando uma mala, moço fino,
depois de descer da estação ferroviária pela região do Cariri. Naquele tempo o
trem passava por Baturité-CE, e em 1927 tinha acabado de chegar na região
caririense do estado. Logo num tempo de seca. Muito diferente dos campos da
Europa, onde prestara estudo nos últimos anos. Atendendo as vontades do Senhor
seu pai, que o enviou para ter uma boa e refinada educação. A comunicação era
muito difícil com os parentes que deixará no interior do estado do Ceará, as
cartas demoravam bastante tempo. Alguns parentes não tinham notícias do filho
do coronel há bastante tempo. A chegada à fazenda foi uma festa, sanfona,
arrasta-pé e tudo mais. Depois de alguns dias visitando amigos e parentes
resolveu ir vê como estava a pequena cidade Aurora-CE, próximo da cidade de Juazeirodo Norte.
Ouviu dizer, que
enquanto estava fora, na região nordeste apareceu um homem que desafiou a lei.
E andava pelo sertão ditando sua ordem, marcada com sangue, e impunha a sua
justiça como bem entendia. Ficou sabendo das histórias de vingança, que este
herói sertanejo impunha diante de suas contrariedades. Chegou ao povoado e foi
rever amigos, e ficou sabendo, que por estes dias os paladinos estavam na
região. Não deu muita bola, para estes boatos, e ficou indo de uma casa a
outra. E numa tarde estava passando a cavalo pela cidade, ele avistou numa
bodega dois rapazes jogando um jogo de tabuleiro não muito familiar por aquelas
bandas. Quando se aproximou, observou que os garotos jogavam Damas com as peças
de xadrez.
Vendo que eram
conhecidos dos tempos de criança. Foi logo dizendo.
– Boa tarde! Não é
assim que se joga este belo jogo.
Os rapazes
interromperam a partida, depois dos cumprimentos, imediatamente, o
recém-chegado foi ensinando aos garotos como era a regra do jogo. O nome dele é
xadrez, essa peça fica aqui, aquela se move assim. Nem viram que estavam sendo
observados por um forasteiro na extremidade do balcão, que ficou admirado com a
novidade.
Um dos rapazes
disse em voz alta.
– Manda chamar o
Celestino Alencar, ele sabe jogar esta coisa.
As pessoas
começaram a ficar ao redor da mesa, para vê aquilo. E entre uma regra e outra,
alguém fazia uma pergunta, e Sebastião respondia prazerosamente. Vários destes
questionamentos não se referiam ao jogo, mas como era a vida dele neste lugar
tão longe, onde as pessoas sabem jogar isso. E finalmente, chegou o Celestino,
e conversaram um pouco. As pessoas queriam vê como era jogado o dito xadrez. E
o movimento em torno da mesa aumentou.
As cores das peças
foram sorteadas. Mesmo com barulho, começaram a jogar um amistoso “match” até
que alguns dos presentes começaram a especular.
– Prefiro o fulano.
– Eu aposto que o
sicrano ganha.
E começaram a
apostar, todos falando. Até as pessoas desconhecidas se aproximaram para
arriscar um pouco da sorte. Os palpites aumentaram. A feira da rua, que estava
acabando, parecia que tinha sido revitalizada. Até que Sebastião pegou uma peça
de Celestino. E um dos forasteiros protestou.
– Assim não vai dar
certo.
E em outro
movimento o Sebatião pegou outra peça.
Então, o forasteiro
não se conteve, afastou os que estavam a sua frente e chegou até a mesa. E fez
com que o tabuleiro girasse e os contendores trocassem as peças. Quando o filho
do coronel quis protestar foi contido pelos presentes. Tinha que jogar agora
com as pretas na posição, que era de seu oponente. Houve um silêncio. E ele
pensou.
– Porque não? Era um
amistoso mesmo.
Até o rapaz educado
na Europa concordar. E o jogo recomeçou.
– Meu avô observou
que isso só acontecia com essa gente rica que ia estudar em Paris, voltava
muito educado, todo polido. Se fosse com a turma que vivia longe das letras, a “esculhambação”
tinha começado.
Voltando ao local
do jogo. Gradativamente a tensão diminuía, e pouco a pouco, com o passar do
tempo, o ambiente foi voltando à normalidade. O silêncio imperou, mais pela observação das expressões dos rostos dos contendores do que pela posição no tabuleiro. Os movimentos das peças seguia lento. Até que eclodiu uma vibração, como
um estouro, depois que o Sebastião falou: – xeque-mate. Ganhei!
O forasteiro
protestou com veemência.
– Que foi? Que jogo
é esse, mesmo com menos pedra, ele ganhou? Como?
Começou um
empurra-empurra, e rapidamente outros chegaram, para apaziguar.
E disseram.
– Virgolino está
chamando. Paga o que deve. Ele não quer confusão aqui. Mas, arrastaram o
encrenqueiro. E saíram rapidamente.
Os rapazes ainda
estavam um pouco agitados, quando um dos capangas retornou e pediu desculpas ao
filho do coronel e aos demais. E pagou a conta da venda e o ganhador da aposta.
– Meu avô disse que
o Ceará era refúgio do bando de Lampião, e essa foi a última vez que os meninos
viram os cangaceiros. Só ouviam a história do bando famoso, que estivera pela
região visitando o Padre Cícero, mas de vez em quando os “almofadinhas” se
reuniam para praticar o complicado jogo. E lembravam entre gargalhadas da
situação vivida na bodega.
Observação:
Os nomes dos personagens são fictícios, visto que as histórias eram
muitas, e mesmo assim o tempo não deixaria ter tal lembrança.
Autor: Paulo Sérgio e Silva
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