Levando a taça de xadrez para casa
Conversando com o amigo José Tupinambá, contemporâneo de universidade, que
também participou dos jogos Universitários de xadrez, questionou-me sobre a
vitória de 1980. E perguntou o que foi marcante, então falei da saga depois
do campeonato: levar a taça para casa. E ele sugeriu que este seria um bom tema
para um texto. Assim, resolvi registrar estes momentos difíceis de esquecer.
São lembranças que não esquecemos jamais. Numa noite de sábado, 12 de Abril de 1980,
terminou o Campeonato Cearense Universitário de Xadrez no qual me sagrei
campeão. Na ocasião três jogadores terminaram empatados com 5,5 pontos em sete rodadas
(sistema suíço de emparceiramento). No desempate fui agraciado com o título.
Entretanto, não quero falar da consagração no
campeonato, e sim, de como levei a taça para casa. Durante as rodadas, eu
pegava dois ônibus para chegar ao local de jogo. Era muito legal, participava
das rodadas e estava sempre pronto a ajudar a direção no que precisasse. E na
volta pegava uma carona com um dos participantes, mesmo com a ajuda dos amigos,
eu sempre tinha um trecho, que em que devia dispor de um ônibus ou mesmo seguir
caminhando para completar meu destino. E assim foi até a última rodada. Sempre
aparecia alguém que ia para as bandas do centro da cidade, ou mesmo passava
perto de minha casa pelo bairro do Benfica.
Acho que devido a minha concentração, passei todos
os dias sem vê a taça, nem sei se esta tinha sido mostrada antes, nem procurei
saber que tipo, como era etc. Não ligava muito para isso, visto que existiam
jogadores melhores qualificados, para ser o campeão. Durante a solenidade de
encerramento, vi o troféu. Pensei, meu Deus como vou levar, perguntei se tinha
como guardar no clube, para eu depois vir pegar. Mas, disseram que não havia a
menor condição e não se responsabilizariam por qualquer coisa que pudesse
acontecer. Tentei ligar para casa, para vê se o papai me pagaria um táxi. Mas,
mamãe me disse que não dava, melhor seria deixar para a última semana do mês.
Eu tinha que dar meu jeito. Ele tinha mais de um metro de altura, envolto num
plástico transparente, brilhava, chamava a atenção.
Fiquei observando aquele monstro brilhante,
enquanto o pessoal falava.
E eu pensava. – Como vou levar isso?
Contudo, neste dia, depois da solenidade de
entrega dos prêmios. Não ficou um, tive alguns contratempos com a gravação do
nome no troféu. Acredito que eles não tenham ficado chateados com o resultado,
possivelmente, tinham outros compromissos.
Mesmo assim resolvi enfrentar a maratona.
Peguei o troféu firme. Já estavam apagando as luzes desta parte do clube e
todos tinham ido embora. Vi que a parada do ônibus ficava do outro lado da
avenida a dois quarteirões. Fui andando e o pessoal na rua ficava olhando. A
parada de ônibus estava deserta, a iluminação das ruas nunca foi boa, e neste
dia a Avenida Santos Dumont parecia sinistra. Quando dei uma olhada no relógio,
já passava da meia noite. Já era domingo. Até que em fim o transporte chegou.
Dei um sinal e o ônibus parou e seguimos rumo ao centro da cidade chegou.
Quando entrei no ônibus tinham uns cinco passageiros mais o trocador e o
motorista. Todos olharam para a taça. Antes de passar pela catraca do trocador.
Sentei numa cadeira no fundo do ônibus e um rapaz me perguntou, sobre o troféu.
Respondi que tinha ganhado um campeonato de xadrez no clube do BNB de
Fortaleza-CE. E toda pessoa que subia olhava e perguntava. Fui junto do
trocador e perguntei como eu poderia passar pela catraca com o meu troféu sem
danificá-lo. Ele deu uma ideia. Fez um sinal para o motorista parar na próxima
parada, como já tinha pagado. Eu devia descer pela porta de trás e seguiria até
a porta da frente, para colocar o troféu num ponto seguro sem perigo de bater.
E assim foi feito. Agora toda pessoa que pretendia descer do ônibus vinha e me
perguntava alguma coisa referente ao belo troféu. Contei a história do
campeonato de xadrez para o motorista. Alguns perguntavam sobre o jogo de
xadrez, como as peças se movimentam; como eram os quadrados do tabuleiro;
quantos cavalos e outras perguntas. Até que chegamos à Praça José de Alencar.
Agradeci ao trocador e motorista pela compreensão, e eles disseram que eu
deveria conversar com o pessoal do outro ônibus. Fui para a parada do ônibus do
Montese, que passava pelo bairro do Benfica. Fiquei sentado e as duas pessoas
que estavam na parada começaram a conversar, para saber sobre o troféu. Contei
toda história, repeti a mesma ladainha. Quando o ônibus chegou, falei com o
motorista, que permitiu que eu entrasse pela frente e fosse acertar a passagem
com o trocador. O trocador além de me atender ainda me questionou sobre a
origem daquela taça. E falei um pouco do campeonato de xadrez.
Agora o caminho do ônibus não era só de asfalto
liso, o que me deixou preocupado, pois o solavanco do carro no calçamento
irregular de pedras de granito poderia causar algum dano à taça. Como minha
cadeira ficava bem na frente, mais uma vez fui conversando com o motorista. E
alguns passageiros me perguntavam sobre o campeonato, outros só olhavam aquela
arrumação. Falei sobre minha preocupação, e o motorista resolveu dirigir com
mais cuidado nos trechos irregulares. Para completar uma neblina fora de tempo
apareceu para esfriar a madrugada. Quando o ônibus entrou na rua onde eu
morava, falei que o ônibus ia passar defronte a minha casa. O motorista me perguntou
qual era, então apontei, e prontamente o ônibus parou do outro lado da rua
defronte minha residência. Agradeci a todos e desci com a taça ainda envolta no
plástico. Eles seguiram o caminho e atravessei a rua, ainda me protegendo da
fina neblina.
Em casa, meu pai me esperava e abriu a porta
rapidamente, passei o portão e mostrei o grande troféu. Já passava de uma hora
da madrugada, quando meus irmãos começaram a fazer algumas perguntas, que eu já
tinha respondido ao longo do caminho. Mesmo assim, fui contando a história e os
detalhes da conquista. E fomos ao quarto mostrar para mamãe, festejamos por
alguns minutos. Quando a mamãe interrompeu, e nos falou que era tarde, e que
todos deveriam dormir. Amanhã os festejos continuariam.
Observo que hoje não tenho este troféu, visto
que cinco anos depois da conquista, minha casa foi invadida por ladrões, que dentre
outras coisas levaram a parte material daquela taça. Contudo, não levaram as
lembranças deste feito. E principalmente, a viagem até minha casa abraçado com
o troféu foi uma epopeia inesquecível, onde encontrei pessoas interessados em
conhecer o diferente. E gente disposta a ajudar, a fim de participar um
pouquinho daquela vitória. Foi cansativo, tenso e gratificante tornando o
resultado do campeonato ainda melhor, aumentando o feito e contribuindo para
construir o caráter de um vencedor.
Referência:
- A foto
foi composta pela minha foto do tabuleiro adicionado a um troféu similar, que recortei da internet, e retirei vários detalhes para ficar o mais parecido com o original. Que infelizmente não tenho mais a foto.
Autor:
Paulo Sérgio e Silva
\PSS
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