Xadrez - Jogo entre GM J.Ost-Hansen vs GM J.Nunn conhecido como Frankenstein contra Drácula.
Nos dias de hoje em pleno século XXI, vinte e um, a
referência a nomes como Drácula, Frankenstein, bruxas, monstros, e o que a
imaginação puder criar de aterrorizante. Chamando a atenção das pessoas, tudo
temperado pelo medo, este estado suscitado pela consciência do perigo, que mexe
com todas suas crenças. Verdade que desde os homens das cavernas o medo está
presente como um dispositivo de defesa, pois manter-se sempre alerta pode
significar uma maior sobrevida. Tanto para um ser humano como para qualquer
outra espécie vivente neste mundo. Viver mais este é um dos objetivos do ser
vivo, contudo não precisamos viver pelos cantos morrendo de medo. – Não é
verdade?
No mundo do xadrez encontramos uma linha de jogo
que foi denominada de Frankenstein contra Drácula, por esta apresentar batalhas
sanguinárias, onde as peças se digladiam envoltas numa luta franca e complexa.
Para ilustrar apresentamos no diagrama uma partida jogada por John Nunn que de
sua parte é considerada a sua "partida imortal", que seguiu por esta
linha de jogo tão aguda, com sacrifícios, mas tem esta denominação que causa
medo.
Figura 1 – Frankenstein vs Drácula
E falando em medo. Na vida a gente tem sempre um
momento de medo, pessoalmente tive vários. E um destes momentos mais
engraçados, foi durante uma das poucas férias que fomos para casa de meu avô
paterno. Na cidade do Acarape-CE, no sopé da
serra de Baturité em torno de 62 km ao sul da capital do estado, Fortaleza-CE.
A viagem até a pequena cidade era feita por trem, e os meus avôs paternos nos
acolhiam com muita alegra. Na época a casa de meu avô era situada por trás de
uma propriedade abandonada. Logo no começo da noite, a televisão no centro da
praça era ligada e os meninos se dirigiam para lá. Era divertido. Enquanto, os
adultos viam os programas na televisão, a meninada corria pela praça, sempre
elaborando uma brincadeira nova. Meus irmãos adoravam, e eu também, éramos três
novatos no meio daquela gente hospitaleira. Mas, o único problema é que para
chegar até a praça tínhamos que dar uma volta nesta propriedade, era uma boa
caminhada.
A televisão funcionava até às 10:00 horas da noite.
Numa destas noites alguém teve a ideia de encurtar o caminho de volta, passando
por dentro da propriedade fechada, seriam poucos minutos de caminhada. Como era
noite de lua cheia a luz não era problema. Intimamente, não gostei da ideia,
nunca gostei desse negócio de entrar na propriedade alheia, e esta parecia um cemitério,
mas os manos adoraram a novidade, e como eu era o mais velho tinha que dar o
exemplo. Caso continuasse sendo do contra, o primo e os amigos iriam pensar que
estava com medo. Para entrar na propriedade foi fácil. Atravessamos pela
alameda do jardim mal cuidado, somente no final é que saímos da calça estreita
e fomos até o muro pelo mato ralo, e algumas árvores. Chegando ao muro,
rapidamente tiramos a sorte, perdi. Fiquei por último, tudo bem! O primeiro
subiu no muro, para dá a mão para o próximo amigo. E embaixo, eu juntava as
mãos e o próximo menino colocava o pé e a gente empurrava o da vez para cima.
Quando chegou a minha vez, eu era o derradeiro, não consegui. O menino que
ficou sobre o muro era de pequena envergadura e não conseguia me ajudar. Fiz
mais umas duas tentativas, e nada. O vento aumentou, disse a eles que eu ia
voltar e caminhar. E os meninos se foram, fiquei só. Ouvi um dos manos
protestando, mas os outros não deram ouvidos. Quando dei poucos passos para
voltar, o vento agitou o galho das árvores maiores e as sombras se
movimentavam, e de repende, as folhas secas se levantaram do chão formando um
funil, que vinha em minha direção. Arregalei os olhos e acho que dei um grito.
Com todas as forças corri para o muro, passei por uma parte que tinha uns
arames no topo do muro, mas não foi obstáculo. Passei para o outro lado, cai
sentado. Tudo agora era silêncio, muito diferente da agitação do lado de dentro
do cemitério. Levantei e fui correndo. Meu primo e irmão estavam sentados à
porta de casa esperando para entrar, ainda me esperando dar a volta. Só então
vi que tinha rasgado a camisa e tinha alguns arranhões pela barriga e pernas.
No resto das férias, quando a gente se lembrava do ocorrido naquela noite todos
riam. E rimos várias vezes depois até cair no esquecimento. Pode acreditar que no
dia seguinte voltei ao local, agora pela manhã, com sol e tudo, para tentar
repetir o feito daquela noite. Sem sucesso, numa das tentativas quase que
consegui, mas não deu certo. Por algum tempo fiquei pensando como foi que
consegui forças para fazer tal proeza. Quando falei para o papai do acontecido,
ele respondeu simplesmente: – foi o medo.
Agora no xadrez existem posições que evito. E aqui
tem esta linha de jogo denominada Frankenstein contra Drácula,
que começa como uma abertura denominada Partida de Viena, onde o condutor das
brancas começa se defendendo desenvolvendo o cavalo do flanco da Dama, e segue
num jogo aberto de muitas possibilidades tanto para as bancas como para as
negras. Lembra-se da história? É como se fosse aquele redemoinho de folhas
junto com e a agitação das árvores e sombras sob a lua cheia, tudo regido por
um vendo feroz. Não digo que o tabuleiro seja um cemitério, mas é um campo de
batalha. As pretas tomam o peão do Rei branco logo no terceiro lance. Esta
linha de jogo tem posições muito abertas, muito francas, com os monarcas no
centro e as Rainhas soltas pelo tabuleiro. Tipo de jogo comum nos tempos
românticos do xadrez, onde a beleza nascia nas partidas envolvidas de um ar de
improviso sem os laboratórios de hoje. E sem as premonições dos programas de
computadores.
Figura 2 – Posição da abertura Frankenstein vs Drácula
Para ilustrar a nossa coversa apresentamos a partida abaixo entre GM Jacob Ost-Hansen e GM John Nunn de 1974.
Diagrama 1 - A partida imotal de John Nunn
A variante da abertura utilizada na partida do
diagrama foi nominada por Tim Harding que em seu livro “The Vienna Game”, no
qual ele disse que o caráter sanguinário do jogo “não mudaria nada se esta fosse
uma partida entre os monstros Frankenstein e Drácula”. Este nome foi
muito apropriado, para esta linha de jogo de batalhas agudas e violentas. E um nome que chama a atenção de qualquer mortal, devido os personagens macabros devidamente citados.
Referência:
- A composição da análise e a geração do diagrama foram realizadas por mim no site "chess.com" ao qual sou filiado.
- Site com o diagrama da citada partida: http://www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1102845
Bibliografia:
Pachman, Ludek;
Teoria Moderna em Ajedrez Aperturas Abiertas; Ediciones Martinez Roca S.A.,
Barcelona, 1973. Pág. 270, terceira variante.
Autor: Paulo Sérgio e Silva
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