Xadrez – Surpresa de um campeão e orgulhos feridos

As surpresas da vida. No dia a dia fazemos coisas corriqueiras no automático tão que já antecipamos o que vai acontecer, se a gente fizer isso vou ter aquilo. Entretanto, neste momento, não imagina que pode vir algo diferente. Pense na cara do Grande Mestre Karpov ao se deparar com uma resposta inesperada de seu oponente, logo de prima. Um lance usado por principiantes desavisados. Depois de ter tudo planejado, quando eu começar: vou fazer isso e ele vai responder aquilo. Mas, vem um inesperado movimento que não estava planejado e tens que parar e se recompor diante desta nova situação. O grande Krapov não podia ficar nessa de: “deixa a vida me levar, vida leva eu”. Como diz o poeta Zeca Pagodinho. Ele estava de brancas e ele linha que ditar o ritmo, não poderia perder a maestria da sinfonia que acaba de começar.



Ao falar de algo inesperado me reporto a um fato que aconteceu há uns vinte anos atrás. Numa manhã de sábado, daqueles dias de amanhecer colorido onde às luzes frias do sol recém-nascido bordam tudo em volta e espelham aquele dourado. Acompanhado do sopro frio da brisa que dava um toque de leveza ao respirar. Estava tudo belo! Peguei meu carro sai da garagem do prédio e dirigi dentre os prédios até a portaria do condomínio. O grande portão se abre e vejo a banca de revista do outro lado da rua toda arrumada com as revistas ornamentando suas paredes, era um o quadro, era como se fosse uma pequena varanda com algumas cadeiras brancas. Numa delas estava um velho amigo, que conheci ali mesmo no bairro, parecia muito alegre. Em pé ao seu lado estava o comerciante dono da banca de revistas, chamado Carlinhos. Eles acenaram, e ambos me deram um bom dia caloroso. Paro rapidamente, para retribuir os cumprimentos e saber por que o velho Oficial de Marinha está presente logo cedo, pois os amigos na maioria aposentados só chegam depois das dez horas para conversar, beber e trocar prosa. E Carlinhos me informa que hoje é o grande dia do mês para o velho amigo, “HOJE É O DIA!”. Sorrimos e respondi para o Oficial ter cuidado com o coração. Então, mais tarde passo para saber das novidades. E segui para o meu curso de inglês, que me ocupava toda manhã dos meus sábados. O velho Oficial de Marinha era muito discreto, pacato, gentil e típico pai de família como outros aposentados do bairro, mas tinha um particular. Particular este que foi descoberto pelos companheiros frequentadores da roda de aposentados, que ficaram especulando isso e aquilo. Até o velho não ter como negar, e compartilhar o seu comportamento secreto, que ficaria ali na roda de amigos para enriquecer as conversas e brincadeiras futuras. O fato era que nosso pacato amigo  cultivava um relacionamento com uma mulher bem mais nova, que tinha pouco mais de trinta anos, que era um relacionamento que durava em torno de uns quinze anos, E que no início eram mais frequentes os encontros, e com o passar do tempo a frequência foi diminuindo até se estabelecer em uma vez por mês. Fato que para uma pessoa que passou dos setenta anos era motivo de orgulho dos camaradas. A menina nova com o passar do tempo terminou os estudos e passou a trabalhar, também noivou, casou e teve filhos, mas não largou o relacionamento secreto com o reformado Oficial de Marinha, visto que a cada encontro recebia uma mesada, que variava conforme a importância da data era uma conclusão de curso, um aniversário dela ou de um filho, etc. E assim seguiam enchendo a imaginação dos camaradas. No final daquela manhã, pouco mais das onze da manhã, ainda dava tempo de pegar o jogo de xadrez e ir para a banca conversar, jogar, beber uma cerveja e saber das notícias em geral, notícias do Brasil e do mundo, E também as novidades do nosso amigo Oficial de Marinha naquele dia especial. Mas, ao passar de carro pela banca percebi que o clima não era de felicidade costumeira aparentavam estar mais reservados, faltavam as gargalhadas e o falar alto dos frequentadores da banca. Algo aconteceu de diferente, pensei.
Fiquei sabendo que realmente aquele foi um dia especial, pois a Senhora, outrora uma menina, tinha anunciado que seria o último encontro dos amantes. Tinha passagem de avião, para ela e os meninos, e que toda família se mudaria para uma cidade do Norte do Brasil, para onde o marido foi transferido e teria uma melhor colocação. Foi tudo perfeito no motel, tudo era só alegria, até desfilaram de mãos dadas diante dos camaradas, que ficaram surpresos com a ousadia nunca antes demonstrada. Neste dia pelo encanto o amante até contribuiu mais do que de costume com a ajuda de custo. E bem a frente ela tomou um táxi, mas antes de partir deu um grande abraço e entregou um envelope lacrado com uma foto sua, contudo pediu que fosse aberto depois. E foi embora! Era um lance surpresa do xadrez da vida.

Quando o GM Karpov abriu o jogo com o natural peão do rei na quarta (e4), não esperava a resposta do GM Miles, pois existem várias respostas esperadas e bastante estudadas, que as pretas podem fazer como: peão do bispo da dama na quarta (c5); peão do rei na quarta (e5); peão do rei na terceira (e6); peão da dama na terceira (d6); e outros lances bem cotados. Os citados e outros lances psicologicamente eram esperados, logicamente, uns mais e outros bem menos. Mas, surpresa, o GM Miles respondeu jogando o peão da torre da dama na terceira (a6), este lance num primeiro momento de uma partida num torneio oficial deve ter ferido os brios, pois parecia duvidar da competência do condutor das brancas, um ex-Campeão Mundial. Ou, possivelmente, o oponente devia estar com muito medo. E teria usado esta estratégia para fugir das linhas preparadas do renomado Grande Mestre. E parece que a coisa deu certo. Segundo o livro "Mitos em Xeque" o ex-campeão se mostrou bastante nervoso diante da defesa usada por seu oponente, externando um pouco da irritação. Em vista disso apelidaram a linha de jogo como “abertura pânica”. Observe que no vigésimo quinto lance o ex-campeão perdeu um peão, mas diante desta defesa ele resolveu continuar, pois jamais admitiria abandonar tão cedo contra esta linha de jogo.





Concluindo a história do velho amigo, este resolveu voltar para encontrar os camaradas e se gabar um pouco, até que resolveu abrir o envelope. Tinha uma bela foto, a qual apresentava no verso algumas palavras de carinho, agradecimento e informando que viajaria para outro estado com a família devido à transferência do marido. E um adeus. Que surpresa. O velho ficou nervoso, quase morre, chorou e foi confortado pelos amigos. O clima solidário deixou os presentes apreensivos de que algo pior pudesse acontecer. Então, um grupo o colocou num carro e foi deixá-lo em sua casa. Bastou o triste galanteador da terceira idade sair, para que logo as gargalhadas e troças tomassem conta do ambiente. Alguns dias depois o velho Oficial reformado voltou, contou alguns outros detalhes. Ela se transformou em saudade e lembrança. E para os camaradas em brincadeiras e gargalhadas. E o bom é que a vida voltou ao normal, agora mais normal do que nunca.

Referência
- Esta análise foi feita por mim no ambiente do "chess.com" o qual sou filiado. Espero que tenham curtido a partida. E caso queiram jogar pela internet, temos o site "chess.com", é muito, muito divertido.


- A anotação das Peças= inglês/português:  Torre=R/T; Cavalo=N/C; Bispo=B/B; Dama=Q/D; Rei=K/R; Peão=P/P; 


-   Sobre a pontuação dos lances temos por unidade o “peão”. E quanto o sinal do número: se for positivo significa vantagem do time branco e se for negativo vantagem do time preto. Por exemplo: +0.50, significa que o branco tem vantagem de meio peão nesta posição. 

Bibliografia

Arrabal, Fernando – Mitos em Xeque (Échecs et Mythe); tradução Paulo Sampaio; Editora Globo – Rio de Janeiro, 1988.


Autor: Paulo Sérgio e Silva
\PSS

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