Xadrez - A discussão sobre o lance de uma Dama contra outra Dama


Ao repassar as partidas do Interzonal de Xadrez em 1973, realizado em Petrópolis-RJ, encontrei uma partida que me chamou à atenção. Era o jogo entre Ljubojemir com o exército branco contra Smyslov com o preto, no qual o condutor das peças brancas fez um sacrifício. Por um momento ficou cheio de energia, mas a cada lance suas forças foram se esvaindo até perder a iniciativa. E consequentemente o jogo virou. O destino do reinado brando foi selado depois da troca de sua peça mais forte, a Rainha, pela Rainha o reino preto. Na época da Escola Técnica, quando repassaram esta partida surgiu uma discussão sobre o sacrifício e sobre a troca das Damas. Foi uma discussão acalorada, a qual durou alguns dias. Isto é, quando parecia que o assunto estava esquecido, então vinha um fulano falar desta partida e logo era retomada a discussão.



Sobre esta questão da afronta captura da Dama branca pela Dama preta, faz-me recordar uma história que ocorreu numa cidade do interior do Ceará, numa manhã de um dia comum um pouco antes da meninada sair para a Escola, ouviram-se uns gritos. Vinha do casarão amarelo no fim da rua principal, próximo da praça central. Uma senhora de traços africanos, que há tempos trabalhava na casa, estava sendo expulsa pela dona da casa. Aos gritos pronunciava as palavras em alto alarido, que vez ou outra eram interrompidas por palavrões, os quais revelavam o seguinte: – “a Senhora não vai ter mais ninguém, pois era eu que ficava no lugar dos pretensos candidatos, inocentes e rejeitados. Era eu que apagava o fogo desta sinhazinha de nariz empinado. Agora é assim que me paga. Não quer dar meus direitos, tudo tem limite”. Por parte da bastada senhora, esta apenas mandava a ordem. – “Vai embora. Isso é mentira dessa preta ambiciosa”. E jogava pela janela os pertences da acompanhante descartada. Resumindo, para bom entendedor meia palavra basta. Com respeito à Senhora viúva de um dos homens mais respeitados da região de origem portuguesa, que até jogava xadrez, e que era um digno comerciante, que detinha muita consideração junto às autoridades da pequena cidade. Com todo respeito apareceu o Senhor Delegado em pessoa acompanhado por dois homens, com a finalidade de acalmar os ânimos e por em bom termo a rixa. Primeiro pediu, que parassem os insultos. Logo o casarão cerrou portas e janelas. Um ou outro transeunte foi ajuntar os pertences da Senhora recém-expulsa. Tinha o cabelo desalinhado, descalça, ainda estava com o vestido largo ainda por vestir direito. A autoridade ordenou aos curiosos. – “Circulando! Vamos! Vamos!”. Logo a Senhora pediu para alguém conhecido que a ajudasse. E seguiu para a Estação de trem, sem antes ouvir alguns gritos que a chamavam de mulher da vida e pecadora. Mas, para trás ficou a boa família do município horrorizada com a história que circulava de boca em boca. Os pontos obscuros eram completados pela imaginação do povo que na fala usava: “pelo disseram...”, “viram que...”, “ficaram sabendo que...”. E iam remendando o conto. Nestes dias o Padre teve trabalho, pois seus fieis mais fervorosos o procuravam. Era uma classe formada de boa gente, que se questionava: – “Já se viu uma mulher ter com outra?” – “Que pecado”. – “Isso é coisa do diabo”.             
A Senhora com traços distintos de pele bem clara, cabelos longos e claros como o sol, deixou de circular pela cidade por vários dias seguidos. Durante a noite aparecia alguém diante do casarão para insultar ou jogar pedra. Notou-se que não mais tinha movimentação naquela casa. Até que tiveram noticias de que ela tinha ido para uma casa na Serra. A primeira parte do exílio durou quase um ano, sem nenhuma notícia da Sinhá, mas a boa família municipal ainda estava resentida com o ocorrido, agora com menos intensidade. Nesta aparição, a comunidade foi afrontada pela distinta Dama, que saiu de seu refúgio e foi até a Estação de trem, e para espanto de todos. A Senhora branca de traços europeus recebeu a Senhora negra de traços afro-brasileiros, aquela mesma que saiu enxotada. Ninguém entendeu. Ambas fizeram as pazes. Para piorar, estas saíram de mãos entrelaçadas da Estação, e seguiram pela rua principal. Na rua as pessoas atônitas diante da inesperada cena. A notícia correu pelo vilarejo como um raio, temendo o pior, um informante contou ao delegado, outro ao padre, e outro ao prefeito, todos com o intuito de descrever mais um ponto do escândalo pecaminoso. Passado o susto, diante do ato das distintas Damas, vieram alguns tímidos insultos. Enquanto, as Damas seguiram para o casarão, e em seguida foram embora para outra propriedade na Serra. Quem sabe? Sempre auxiliadas por empregados. Mesmo assim alguns vândalos acobertados pela noite foram ao casarão e jogaram pedras e riscaram as paredes. Mas, este já tinha sido vendido, diziam. 

Para ilustrar segue a partida dos Grandes Mestres, Ljubojemir contra Smyslov, cam uma abertura da Defesa Caro-Kann, realizada em meados dos anos setenta pelo Interzonal de Xadrez em 1973, na cidade Imperial de Petrópolis-RJ. Onde se fizeram presentes grandes nomes do xadrez da época. Na partida em questão, encontramos no trigésimo lance a troca das Damas, que para uns não foi bom para o Branco, e que o time Branco deveria ter sido mais agressivo nos lances anteriores e não ter que oferecer a Rainha pera troca. Pois, assim procedendo perderam a sua principal peça. Mas, outros acharam que não foi bom negocio para o Preto, visto que o jogo já era superior para o time Preto e que a Dama Preta deveria permanecer no tabuleiro e seguir ganhando material rumo a uma rápida vitória. 

E sobre a pontuação dos lances temos por unidade o “peão”. E quanto o sinal do número: se for positivo significa vantagem do time branco e se for negativo vantagem do time preto. Por exemplo: +0.50, significa que o branco tem vantagem de meio peão nesta posição. 



Voltando à história ocorrida no pequeno lugarejo. O fato é que as Damas ficaram juntas, e os boatos e disse me disse resurgiram, e logo foram caindo no esquecimento.  Como no final do jogo, onde todas as peças terminam juntas na mesma caixa, e o jogo que passou, passou, O agravo é que na vida real as Damas ainda se arriscaram ao confrontarem os costumes e preceitos de uma comunidade interiorana conservadora de um século atrás.

Referência
- Esta análise foi feita por mim no ambiente do "chess.com" o qual sou filiado. Espero que tenham curtido a partida. E caso queiram jogar pela internet, temos o site "chess.com", é muito, muito divertido.

- A anotação das Peças= inglês/português:  Torre=R/T; Cavalo=N/C; Bispo=B/B; Dama=Q/D; Rei=K/R; Peão=P/P; 


Bibliografia

Soares, Almeida J.C. – Xadrez pelo Interzonal de Xadrez em 1973, Petrópolis-Brasil, 21 de julho a 18 de agosto. – Indústrias Gráficas Centrograf Ltda; Rio de Janeiro, 1975. Página 70.




Autor: Paulo Sérgio e Silva

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