Xadrez e a história de um Divino nada divino
Como no jogo de xadrez e na
vida, existem momentos em que você deve abandonar o barco. Às vezes ficamos no
jogo até vê se o oponente comete um erro e maré mude. Mas, quase sempre a
mudança não vem, visto que tem posição tão ruim que é melhor abandonar a
partida. E ir para casa se preparar, a fim de que isso não volte acontecer. A
partida de xadrez que mostramos abaixo deixa isso bem claro, melhor abandonar e
aproveitar o tempo. Assim, como fiz na história que conto abaixo. Estava num
grupo de amigos legais, fizemos parte do grêmio da Escola, saiamos juntos,
estudávamos etc. Até que começaram a acontecer eventos desagradáveis, que me
fizeram mudar de rumo, voltar a estudar e estudar, terminar o Curso Técnico e
fazer o vestibular. E também, continuar jogando xadrez.
Por três vezes fui
convidado para ensinar xadrez às crianças no Centro Comunitário, que ficava
próximo da Rodoviária de Fortaleza. Para entreter a meninada, eu levava alguns
tabuleiros de xadrez e ficava o tempo todo ensinando e explicando os principais
movimentos das peças do nobre jogo. As crianças ficavam atentas, e algumas rapidamente
já se arriscavam em brincar com o belo jogo, outras ficavam desconfiadas e
depois se entregavam ao jogo. Para mim a parte teórica era fácil, mesmo os
meninos se amontoando para não perder nada. Mas, quando começava a prática: o
jogo verdadeiramente dito. Um me chamava da mesa do canto, outro me chamava
noutra mesa, e o barulho de vozes e gritos se misturavam. Até eu pedir uma
pausa no falatório, esse é um jogo de calma; de pensar; de enfrentamento de ideias.
Algo muito interessante era o ponto comum entre eles: ninguém queria perder.
Num certo dia, bem no
recreio, apareceu uma pessoa procurando pela professora Valéria, então informei
que ela não tinha vindo hoje. Contudo, ele poderia deixar um recado na
coordenação ou ligar para ela. O sujeito parecia agitado, era uma figura enigmática.
Agradeceu e saiu. Ouvi comentários de que ele subiu numa árvore para esperar a
Valéria.
Alguns dias depois, era
fim de tarde de um sábado, quando ao final das aulas da Escola Técnica costumávamos-nos
fazer uma reunião e vê alguma saída. Então, aquela pessoa que esteve no Centro
Comunitário se integrou ao nosso grupo de amigos. Então, a turma decidiu pegar
o ônibus Circular e ir rumo à Avenida Beira-Mar, então a Valéria apresentou seu
primo como novo integrante do grupo. Era o sujeito que tinha aparecido no
Centro Comunitário. Agora nossa amiga trouxe este extrovertido sujeito para o
grupo. O nome dele era... Hoje não me recordo qual o nome do novo amigo, mas
ele se denominava e preferia ser chamado de “Divino”. Logo, a gente ia
descobrir o porquê do apelido: Divino! Entramos no ônibus, que passava por
vários bairros da cidade, inclusive, o Centro e a Praia do Meireles, e depois
de algum tempo descemos nas proximidades da Avenida Beira-Mar, próximo do Clube
Náutico. A gente costumava ficar conversando sentado em circulo na grama, sob
as sombras das castanholas, e das mochilas as bebidas alcoólicas eram retiradas.
No grupo havia gente que ainda não tinha completado dezoito anos,
principalmente, as meninas. Por isso, o pessoal das barracas tinha cuidado para
não vender bebida alcoólica para nossa turma. Então, sabendo das regras, a
gente corria-se uma “vaquinha”, para coletar alguns trocados no intuito de
comprar apenas refrigerante, água e alguma batata-frita. Tudo sempre era irmãmente
dividido.
O novato do grupo não se
intimidou começou pedindo refrigerante, cerveja e petiscos, mesmo antes da
conclusão da coleta dos trocados. Assim, todos ficaram pensando que o sujeito
estava com dinheiro para bancar os seus pedidos. E o fim de tarde transcorreu
divinamente bem. Entre gargalhadas, empurrões, piadas e muita discussão sobre
política, futebol e outros assuntos de momento, tudo cheio de muita brincadeira.
Mas, no final das contas
o convidado saiu antes do fechamento da conta com o bar da barraca. Houve um
principio de confusão, mas todos tiveram que raspar o tacho para saldar o
adicional da dívida com a barraca de praia. O pessoal ficou danado com a
atitude do Divino. Faltou o dinheiro para condução, e tivemos que nos dividir,
pois uma parte do pessoal teve que voltar a pé. Apesar de cansativo fomos
caminhando e conversando rumo ao Centro da cidade.
Na outra da semana a
nossa amiga veio pedir desculpas pelo comportamento do seu convidado e saldou a
diferença com quem quis receber, conforme foi anotado. Limpando a barra do
Divino, sujeito cheio de lábia. Numa outra programação, fomos a um show lá na
Universidade Federal próximo da Escola na mesma Avenida 13 de Maio. Era um forró
para arrecadar fundos para o Movimento Estudantil, e lá fomos nós e o Divino
foi junto. Não sei como, rapidamente ele e alguns amigos deram um jeito para
entrar. E quando olhamos já estavam lá dentro. Pensei, entraram sem pagar num
evento que era para ajudar a classe estudantil. Não entendi nada. Lamentei.
Depois fiquei sabendo que o Divino e outros tinham entrado com os músicos,
quando o carro dos instrumentos abriu, cada sujeito pegou um equipamento e se passaram
como carregadores dos artistas. Uma vez dentro, deixaram os equipamentos
próximos do palco nos seus devidos lugares e se embrenharam na festa. Isso deu
notoriedade para o Divino entrar no grupo, mais ainda, e participar das
brincadeiras, exceto quando a questão era se reunir para estudar. O sujeito não
se fazia presente. Também, ficamos sabendo que o Divino era um desistente da
Escola, mas continuava pelas redondezas.
Quando chegou o carnaval
fui com parte do pessoal para Camocim-CE, cidade no litoral do Estado do Ceará.
Quem nós encontramos? Isso mesmo: o Divino. Fiquei um pouco distante da figura,
que sempre trazia algum problema, todo dia tinha uma novidade. Lembro que fomos
para o clube da cidade, o baile de carnaval estava bonito. No clube todo mundo na
fila para comprar o ingresso. Quando de repente o Divino veio e informou, que
tem uma passagem no muro. E muita gente está entrando sem pagar. Logo quase toda
turma foi com ele. Fiquei eu e o Ivan na fila, enquanto o pessoal entrou sem
pagar. Depois que entramos, pagando. O pessoal ficou dizendo o quanto a gente
era bobo, por não ter entrado de graça. Os comentários e as risadas sempre eram
resultantes da nossa atitude de não levar vantagem. Até que apareceu a
fiscalização, os seguranças queriam os canhotos dos tickets de entrada. Apresentei
o meu comprovante, então o Ivan não encontrou o dele, e os que estavam na mesa
sem comprovação foram retirados da festa. Fiquei na mesa, por um tempo sozinho,
até que apareceram dois companheiros que tinham ido ao banheiro e uma menina
que estava no salão dançando. E logo depois também veio o Divino. Para mim a
festa acabou, sai à francesa, deixei-os lá. Fui encontrar a turma na praça, e
curtimos o último dia de carnaval ouvido o som do clube e conversando muitos
outros assuntos. Depois ficamos sabendo que num descuido do Ivan, o grande
amigo Divino tinha ficado com o comprovante dele.
Noutra semana, fomos
perseguidos pelos garçons de um restaurante. Depois que o Divino entrou para
apartar um briga e acabou se responsabilizando pela divida dos caloteiros,
quando voltou para nossa mesa disse, que era melhor a gente sair dali, pois a
nossa conta tinha triplicado. Um foi rumo ao banheiro, outros rumaram para o
salão. E depois a rua. De outra vez, estávamos na praia de Iracema só
conversando, já estava de saída, quando uma senhora e uma menina que estavam
nas pedras foram atingidas por uma onda forte. Eu e o amigo fomos pegar a
menina que estava um pouco machucada, e o Divino foi socorrer a mulher. No bar
próximo a menina foi atendida, ela sentou tomou água. Apareceram os familiares
das duas. E sentimos falta do Divino e a mulher. Fui vê o que havia acontecido,
e para minha decepção o Divino estava fazendo sexo com a mulher por trás das
pedras. Deixei-os lá, disse para a menina que a Senhora estava bem, e fui
embora. Noutro fato embaraçoso, tive a vergonha de ficar consolando um rapaz no
bar, depois de saber que o Divino tinha saído com a namorada do sujeito. E
pouco mais de uma hora depois eles voltaram; e o cara queria matar os dois,
imagine a confusão neste bar. Felizmente, depois de muita conversa o problema
foi resolvido, e vi o cara perdoar o Divino. E os três se abraçaram. E até que em
certo momento o casal e o Divino se beijaram. Depois disso, o pessoal do bar
nos expulsou debaixo de palavrões, vaias e empurrões. Esse cara só trazia
problema, por isso os outros foram embora antes da minha chegada. Toda vez que
acontecia uma coisa dessas, eu dizia para mim mesmo: – nunca mais vai acontecer
de novo.
Depois de várias
esparrelas e trapaças passei a evitar sair com o grupo, principalmente, quando
nele estava o Divino, que sempre burlava as regras. E no meu último dia no
Centro Comunitário, ensinando xadrez aos pequenos, apareceram o Divino e a
Valéria, que queriam propor uma saída. Coisa simples como ir à Rodoviária e
sentar naqueles bares ou ficar no terraço de um Hotel defronte da Rodoviária. Pedi
que sentassem e vissem os meninos jogando, foram poucos meses, contudo algumas
das crianças já tinham um jeito para o jogo. Ao final da aula, a coordenadora
do Centro veio e foram feitas as despedidas. Projeto concluído. E acabei
caminhando com os amigos até a Rodoviária, que ficava ali próximo. Quando chegamos
lá, informei que não iria ficar com eles. Tinha muita coisa para estudar. Naquele
momento, o Divino tentou me convencer em ficar e curtir uma boa conversa. E
veio de repente a lembrança do vários momentos de trapaça e deslizes, que
passamos juntos. E que não me interessava ter amizade com gente assim, e fui
caminhando para casa e os deixei para trás. Os dias se passaram e não mais sai
com o grupo preferi estudar, praticar atletismo e jogar xadrez na Escola. Depois
disso, poucas vezes encontrei Valéria, e num desses encontros ela me disse que o
Divino tinha voltado para a cidade dele. E lembro que naquele dia na
Rodoviária, ele já estava com passagem marcada e queria se despedir. Depois
disso nunca mais o vi e nem tive notícias.
Aqui citei alguns episódios
desagradáveis provocados pelo dito Divino, momentos que se assemelham a uma
derrota inesperada no xadrez. Como esta partida que mostro agora, onde joguei
de pretas contra o Alemão Marcel Gerard no site “chess.com”. Não teve assim um
grande erro, mas foram pequenas falhas que foram se somando até que o melhor
foi abandonar e se dedicar aos outros jogos.
Observação
- Sobre a pontuação dos lances
temos por unidade o “peão”. E quanto o sinal do número: se for positivo
significa vantagem do time branco e se for negativo vantagem do time preto. Por
exemplo: +0.50, significa que o branco tem vantagem de meio peão nesta posição.
- Esta análise foi feita por mim no ambiente do
"chess.com" o qual sou filiado. Espero que tenham
curtido a partida. E caso queiram jogar pela internet, temos o site "chess.com", é muito, muito divertido.
- A
anotação das Peças= inglês/português: Torre=R/T; Cavalo=N/C;
Bispo=B/B; Dama=Q/D; Rei=K/R; Peão=P/P;
Referência
Autor: Paulo Sérgio e Silva
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