Dia mundial do Xadrez 20 de julho e um andarilho palpiteiro

No dia mundial do xadrez, dia 20 de julho, vou contar uma pequena parte da história de uma pessoa, que sabia jogar xadrez, e que nunca o vi jogar, entretanto o encontrei dando palpites certeiros, mas não estava interessado em competir com ninguém. Apenas suprir suas necessidade momentâneas, que contrasta com os valores sociais dos anos setenta, – imagine hoje. Figuras raras de um álbum cheio de retratos, aquela figura que é difícil aparecer na banca de revista, mas quando aparece; vai direto para o álbum, e a gente nem se lembra do valor que ela tinha. O tempo vai passando e aquela figura foi fechada no passado junto como as demais. A raridade que parecia extraordinária foi embora como as partidas de xadrez sem anotação, sem memória, a empolgação das posições complicadas vai evaporar, quando a partida chegar ao final e as peças destinadas a uma caixa fechada. E assim foi a pessoa simples que passou lá pela Costa Sousa, bairro do Benfica, na cidade de Fortaleza-CE.


Nos dias de jogo no Estádio Presidente Vargas, os carros estacionavam defronte das pequenas casas da Rua Costa Sousa, as pessoas passavam conversando alto, comento alguma coisa, ou, seguiam correndo fazendo um zigue-zague driblando os carros e transeuntes menos apressados, ou simplesmente caminhavam se arrumando em seus trajes de torcedor. Alguns levavam bandeiras de seus clubes favoritos – ao contrario dos dias de hoje, onde as bandeiras e seus mastros são considerados como armas. Nos dias de jogo os meninos procuravam brincadeiras dentro de casa, e algumas vezes a gente se arriscava na batalha por algum dinheiro extra; pastorando carros os estacionados nas proximidades, mas nem sempre era possível. Difícil era enfrentar a concorrência dos profissionais do ramo – que eram donos do pedaço. Dito isto, as oportunidades para ganhar alguns trocados era quando não apareciam muitos “pastoradores” de carro. Contudo, o melhor mesmo, sem risco, era ficar brincando em casa. Num dia como esse, quando a gente estava na área de entrada de nossa casa, local amplo coberto que dava para ficar protegido, era o lugar perfeito para a garotada brincar nos jogos de tabuleiro, como: jogo de futebol de botão, banco imobiliário, xadrez e outros. Num destes dias agitados pela movimentação no Estádio de Futebol apareceu um mendigo, que resolveu parar e ficar olhando, até que perguntaram o que desejava. Respondeu que queria um prato de comida. Já era hora da merenda e não de almoço, mesmo assim falei com a mamãe. Que veio atender e algum tempo depois providenciou um prato para o visitante, que se sentou no batente da área; enquanto as pessoas começavam a passar correndo, para não perder o início do jogo – que aos domingos era sempre às cinco horas. Era possível até acertar o relógio pelo início das contendas “futibolísticas”, bem diferente dos horários malucos de hoje. Onde o patrocinador e investidores determinam os horários para transmissão das imagens.

Enquanto isso, o simples homem comia o observava, e vez ou outra jogava alguma migalha para um cachorro que se aproximava.

Alguém gritava um: – Xô cachorro!

E o cão se afastava e logo voltava esperando um pouco mais da generosidade do visitante, que chamava: – Ê “caçou”!

Depois desta aparição o pobre homem ficou freguês de nossa casa. Passava alguns dias sem aparecer, mas quando aparecia vinha trazendo alguns cães da vizinhança que o seguiam na esperança de alguma migalha, e que ficavam por ali. – Ê “caçou”!

Enquanto, os meninos da rua puseram lhe a alcunha de “Barrão”. No começo o visitante era calado, mas logo começou a dar palpite com no jogo de xadrez. Não queria jogar, mas gostava de “peruar”; e os meninos não gostavam nem um pouco.

Um dia peguei um violão, que estava lá em casa, para ficar dedilhando. Pois, não sei tocar. Depois de sua refeição, o homem viu o violão, e perguntou se podia tocar. Passei o instrumento para o artista, que calmamente depois de conferir e afinar o instrumento. Começou a solar, belas canções, muito bem tocadas. E só interrompia a apresentação, para beber água, e como não podia passar, aproveitava para dar algum palpite no jogo de xadrez. Isso sempre incomodava alguém no tabuleiro.

Começaram a surgir as reclamações. Quando o freguês chegou e foi servido como nos outros dias, petiscou os cães, e solou no violão em tom suave como sempre. Antes da despedida e agradecimentos, tranquilamente, mamãe veio e deu algumas advertências ao pobre homem. Lembro que papai ficou na sala só ouvindo, não era costume interferir em assuntos desta natureza. Dias depois, o mendigo estava com as roupas surradas, entretanto tinha toma algum banho antes de pegar seu almoço. Desta vez, comeu e não ofereceu migalhas aos cães; não jogo, nem deu palpite no xadrez; tocou algumas músicas no violão e agradeceu antes de sair.

E se transformou num amigo eventual, também os insultos diminuíram. Tinha bom conhecimento de atualidades, quando perguntado respondeu que pegava jornal no lixo, ainda novo; também de história, geografia e matemática. Ficamos sabendo de seu conhecimento nestas matérias, quando a gente estava no período de provas e tínhamos de estudar, assim o tempo para brincar diminuía. Certa vez, o visitante apareceu num dia que o tema era estudo e ficou palpitando sobre as respostas dos exercícios. Ajudando alguns meninos a responder e entender as questões. Mas, os dias das passadas para pegar um almoço foram ficando mais espaçados. Até os dias se transformarem em meses.

Quando menos se esperava alguém troce uma notícia, que o andarilho, aquele que passava na rua de vez em quando, tinha sido atropelado na avenida próximo do Quartel Militar, 23-BC.

Passou pela vida um homem simples de nome complicado, o qual não me vem à memória, era letrado de conhecimento fino, sabia jogar xadrez, gostava dos animais caninos, artista de música clássica, que optou viver sem casa, sem um teto, caminhando pelas estradas da cidade guiado pelas necessidades. O motivo deste estilo de vida nunca falou, e foi embora sem contar o porquê.



Tabuleixo de xadrez

Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS


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