Mania de Xadrez
Há alguns dias me perguntaram se eu ainda tinha “mania de xadrez”,
respondi encarecidamente que diariamente ainda recorro à internet para dar
andamento às minhas partidas de xadrez. E a vida seguiu, mas fiquei matutando
sobre este termo, principalmente sobre a palavra “mania”. – Será que isso
caracterizaria uma forma de comportamento anormal?
Particularmente, a “mania” me parece um comportamento que pode ser corrigido,
apenas mudando o hábito do ato considerado e observado com repetitivo. – Por
via das dúvidas melhor pesquisar se existe algo nos livros especializados, ou
mesmo na internet.
Procurei na estante o livro “Moderno Dicionário de Xadrez”, para saciar
minha curiosidade. Encontrei o termo “mania de xadrez”.
– Que interessante! Existe o termo no meio enxadrístico.
E o dicionário começa definindo como se fosse “uma desordem mental”, que
se caracteriza por excessiva excitação no que se refere ao xadrez. Ainda
complementa que a vítima acometida por esta patologia se transveste de fúria se
alguém ou alguma coisa o impede de praticar sua orgia enxadrística. Achei dura
essa sentença, quanto às palavras “desordem” e “orgia”. A definição do livro
mistura um pouco da definição de esquizofrenia e vício, mas vamos dar um desconto,
pois a especialidade dele é outra.
E o livro continuou adjetivando o enxadrista maníaco de “obnubilado1
pelo jogo”. Sendo esta pessoa passível de privações alimentares, descanso e
outras atividades cotidianas necessárias em sua vida.
Entretanto, em artigos especializados que abordam os problemas
psicológicos fazem a diferenciação entre os conceitos de mania, vício e
compulsão. Detalham o que está descrito no Moderno Dicionário de Xadrez, esse
artigo (referência-2) classifica “mania” como não patológica. A palavra “mania”
tecnicamente (na psicologia) indica um ato de humor exaltado, comum em quadros
como o transtorno bipolar. Enquanto o mesmo termo é usado para
caracterizar ações repetitivas, que podem ser corrigidas através da mudança de
comportamento. Agora, o vício e a compulsão necessitam de tratamento para
restabelecer a qualidade de vida do paciente. O vício engloba o comportamento
compulsivo, e este se caracteriza por ter uma substância consumida pelo
indivíduo afetado por esta patologia.
Um exemplo recente é a personagem da série “O Gambito da Rainha”,
exibido na Netflix, onde a enxadrista Beth Harmon tomava comprimidos
psicotrópicos regularmente, para poder jogar. Não era uma mania e sim um vício,
que tinha com compulsão a busca por emoções, que eram encontradas nas aventuras
das partidas de xadrez, aliadas a outros comportamentos que afetavam suas
relações sociais. Através da exposição a uma substância viciante buscava o
prazer compulsivo nas partidas de xadrez.
Na Escola alguns amigos matavam aula para jogar xadrez, quase todo dia
estavam lá jogando em horário não permitido. Quando a coordenadora ficou
sabendo foi conversar com os responsáveis da sala, e achou que os alunos
estavam desmotivados. Então, limitou a abertura da sala de xadrez, semanalmente
passou a cobrar a apresentação das notas na coordenação até o final do
semestre, e passou a chamar os pais no caso de notas baixo da média. Assim, a
turma passou a se reunir para primeiro estuda e jogar, quando o tempo dava, em
horários fora da grade escolar. Eles estavam loucos para jogar, mas ao mesmo
tempo queriam ter seu curso técnico garantido pela sua nota final. Neste caso
temos: – o dito popular, a ocasião faz o ladrão.
Noutro exemplo. Lembrei-me de uma amiga, que trabalha na gerencia de um
Hotel em Fortaleza. Que me falou não mais receber torneios de xadrez em seu
Hotel, visto que algumas pessoas praticantes e adeptos do xadrez ficavam até
altas horas bebendo, fumando e jogando sem parar. Atrapalhando a rotina de
fechamento do restaurante e troca de turno do pessoal atendente, além de
perturbar os outros hóspedes com as discussões, falando alto, advindas das
disputas enxadrísticas mal resolvidas. Fiquei surpreso, pois nos torneios que
participei tinha que dormir cedo e descansar, para enfrentar a próxima rodada
no dia seguinte. Este comportamento no hotel em torno do torneio está ligado ao
vício de beber e fumar, que envolvem as substâncias: o álcool e a nicotina.
Explorando o assunto dos problemas psicológicos, a atividade
enxadrística é utilizada no tratamento de pessoas com Alzheimer, retardo
mental, déficit de atenção, dificuldade de aprendizado etc. Embora, exista
outra situação citadas no livro “O Jogo Imortal”, que relata alguns problemas
mentais, em uma minoria de jogadores, que tinham patologias psicológicas que se
agravaram pela atividade intensiva do jogo de xadrez, como paranoia e
esquizofrenia. Um exemplo foi o grande jogador Paul Murphy (Junho 22, 1837 –
Julho 10, 1884), que em 1856 aos 26 anos, depois de ganhar dos melhores
jogadores da época voltou para Nova Orleans, abandonou o xadrez repentinamente,
e se tornou recluso e paranoico, conforme descrição de familiares, ele falava
com seres imaginários em seus últimos dias. E o livro cita outros exemplos de
jogadores que tiveram problemas mentais agravados pela intensa dedicação ao
xadrez.
Interessante, como uma mesma ferramenta, o xadrez, pode ser usado para
corrigir e minimizar efeitos de algumas patologias mentais, enquanto em outras,
este tende a agravar o quadro do paciente caso usado de forma intensa. A
diferença entre o veneno e o remédio é o tamanho da dose, neste caso não é
diferente.
Pode-se concluir, que uma forma de não enveredar por este caminho, e criar
um vício com seus atos compulsivos, é programar horários para a prática do
xadrez. Adotando o hábito salutar de não combinar a atividade de jogar xadrez
com o consumo de substâncias, para potencializar a atividade cerebral. O
importante é lembrar que os limites do corpo humano devem ser respeitados.
Fazer tudo com moderação, e quando notar que está passando do limite tem que
ser radical, com você mesmo, e pare! Caso não consiga peça ajuda. Fazendo isso
vamos ficar longe do risco de desenvolver algum problema com relação à prática
tanto do xadrez, como de qualquer outra atividade que nos causa prazer. Assim,
continuaremos senhores de nossas “manias”: sendo elas liberadas, enquanto
prazer e comodidade, e aquelas contidas guardadas até um momento oportuno.
– “Nós somos os protagonistas de nosso filme”. Favor não esquecer.
Observação
1 - Obnubilação - Estado de uma pessoa que sofre uma perda passageira do
entendimento e da capacidade de raciocinar ou de dar-se conta com claridade das
coisas.
Referência
(1) Site onde jogo minhas partidas de xadrez. https://www.chess.com
(2) https://minutosaudavel.com.br/compulsao-mania-e-vicio/
Bibliografia
- Horton, Byrne J.; Moderno Dicionário de
Xadrez; Câmara Brasileira do Livro – São Paulo-SP, 1973.
- David Shenk; O Jogo Imortal;
Editora Zahar – Rio de Janeiro-RJ, 2007. Edição impressa em 2011.
Autor: Paulo Sérgio e Silva
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