Xadrez – Jogando sujo

Sai do trabalho correndo. Dirigi meu carro até o centro, para participar do Torneio dos Industriários do Estado do Rio Grande do Norte, enquanto o dia se transformava em noite. Quando cheguei o relógio já estava rodando, parei e respirei, logo que sentei cumprimentei meu oponente. Fiz meu lance. O de sempre, peão do rei na quarta casa, esse é meu lance favorito quando estou de brancas. Vários lances depois levantei e fui dar uma volta entre as mesas para me ambientar, enquanto o oponente pensava. O jogo estava tranquilo!



Num dado momento, o meu oponente colocou o indicador bem dentro de uma de suas fossas nasais. Observei de longe: – pensei que porcaria. E lembrei que acabei de pegar na mão do sujeito. E mexia procurando remover algum detrito inconveniente. Ele estava fazendo bolinhas e jogando no chão ou passando na mesa.

–Eca!

E quanto ao jogo. Ganhei material, estava bem na partida. Minha posição de jogo estava melhor, mas não parava de pensar naquele ato de impureza. As mãos dele estavam sujas, ainda bem que ele esta pegando e jogando com as peças pretas apenas. Que ele não se atreva a tocar em minhas peças. Meu dilema era capturar as peças dele, eu devi pegar nelas. – Será que ele tinha limpado o “salão” (1) antes de eu chegar? Por via das dúvidas, comecei a limitar o uso de minha mão direita. Talvez ele tenha tocado em todas as peças antes d'eu chegar.

– Será?

Então, repentinamente, levantei e fui ao lavabo, ensaboei as mãos. Era o começo dos anos noventa e não tinha álcool disponível nas mesas como hoje, este hábito trazido pela pandemia do vírus corona, teria resolvido a questão. Para meu azar de alguma forma o condutor do time preto notou. Só de mal. Ele de vez enquanto; o nariz era tocado, apalpado e limpado.

Quando voltei, vi que a posição estava equilibrada, fiquei muito irritado comigo mesmo. – Puxa vida! O que tem haver a bolinha que ele criou na limpeza do “salão” com o jogo? Se continuar pensando besteira, ao invés de se concentrar no jogo, ora se não vai perder, bem possível... Mais uma vez, levantei fui andar entre as mesas. Olhei pela janela e fiquei dizendo para mim mesmo, para voltar a pensar apenas no jogo e não nas mãos limpas ou sujas do oponente.

O livro “O jogo imortal” comenta que “o xadrez não é realizado apenas com a mente, é também um jogo mental.” Mesmo em jogos pela internet há tentativas de intimidação, através de comentários como: “você é lento”; “você é um perdedor”. Verdadeiramente não mudam o comportamento do receptor, mas afeta o poder de concentração. E nos jogos entre amigos as brincadeiras e pilherias aparecem de todos os lados, aparentemente não faz parte do jogo, mas o fim é obvio desestabilizar o outro jogador.

Isso é coisa antiga. O livro cita os conselhos de um Senhor Lucena, importante jogador espanhol em 1497: – durante o dia posicione seu oponente para que ele fique de frente para a luz do sol; quando for durante a noite coloque uma vela do lado direito do oponente, pois a mão entre a vela e os olhos tira a atenção do jogador; ofereça comida e bebida bastante ao jogador convidado, e modere seu apetite comendo coisas leves, nada de vinho. Pouco mais de quinhentos anos depois as técnicas de instigação provocante ainda foram ampliadas, como: uso tilintar copos, solver água com ruído, emitir pigarros, bater as peças no tabuleiro ao executar um movimento, expressar impaciência, levantar da mesa com frequência etc. Qual será o ato que incomoda seu adversário? Tudo em busca da quebra do veio de atenção entre o seu adversário e o jogo. E o livro segue com outros detalhes, entretanto não cita esta forma de provocação higiênica. Talvez por não, ser tão comum, mas se incomodar está valendo.

Não tenho mais anotações daquela partida dos anos noventa, entretanto tenho outra para ilustrar nosso texto, visto que tem um “blunder” cometido pelo meu oponente.



Quando voltei fiquei aliviado. Um “blunder”, que significa “uma asneira” em inglês, ao fazer um “lance equivocado”, meu oponente abreviou os momentos de tortura. – Que bom! Sentei e fui gastar um pouco de tempo analisando se não era uma armadilha. Devia ter algo por trás desta dádiva, entretanto, fui em frente e aceitei este presente dos céus. Finalmente ele abandonou! Em movimento contínuo, depois do reconhecimento da derrota, veio com a mão, que fez as bolinhas nasais, para o cumprimento final. Impossível fugir deste momento cavalheiresco do xadrez. Então, apertei a mão, verdadeiramente contaminada, esse foi o último lance de um jogo sujo. Em seguida, arranjei um pretexto para ir rápido ao lavabo para remover as impurezas de minha mão. Usei a santa dupla água e sabão!

Depois conclui que em parte eu era culpado desta situação. Se estivesse concentrado no que estava fazendo, jogar xadrez, difícil seria gastar tempo com estas observações. Como a concentração estava baixa, certamente abriu espaço para o aparecimento destas neuras, coisas que a gente nem imaginaria encontrar no dia a dia. Mas, se a mente estiver despreparada podem surgir estas bizarrices, só para atrapalhar.

Não descuide, pois isto é muito comum. Veja que os bons e os maus hábitos estão por ai, saem de casa e ganham as praças. Esta coisa de fuçar o nariz é uma ação de banheiro, algo reservado diante de uma pia com água e sabão. Em todo lugar a pessoa mete a mão no nariz e depois pega no dinheiro, e ficam dizendo que o dinheiro é sujo, que o corrimão da escada é imundo, e outros objetos compartilhados pelo público. Tudo sujo! Bastava uma pequena mudança de comportamento como lavar as mãos com frequência.

Então, vamos lavar as mãos com frequência, para preservar a saúde e os bons costumes.

 

Observação

(1)   Limpar o salão” – expressão usada em alguns lugares do Brasil, principalmente, no Ceará para informar que alguém está limpando o nariz. Têm outras como “fazer bolinha”, etc.

 

(2)   Sobre a pontuação dos lances temos por unidade o “peão”. E quanto o sinal do número: se for positivo significa vantagem do time branco e se for negativo vantagem do time preto. Por exemplo: +0.50, significa que o branco tem vantagem de meio peão nesta posição.

 

(3)   Esta análise foi feita por mim no ambiente do "chess.com" o qual sou filiado. Espero que tenham curtido a partida. E caso queiram jogar pela internet, temos o site "chess.com", é muito, muito divertido.

 

(4)   A anotação das Peças= inglês/português:  Torre=R/T; Cavalo=N/C; Bispo=B/B; Dama=Q/D; Rei=K/R; Peão=P/P; 

 

Referência

- David Shenk; O Jogo Imotal; Editora Zahar – Rio de Janeiro-RJ, 2007. Edição impressa em 2011.

 

- Site de jogos pela internet, que sou filiado: www.chess.com

 

Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS

 

 











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