Xadrez – Senhor Formiga decora tudo
No dicionário enxadrístico, sem se prender a origem da expressão em si,
encontramos a palavra “formiga”, que caracteriza um tipo de jogador. Vamos
definir mais ou menos o que seja um jogador “formiga”. É aquele tipo de jogador
que devora os livros de xadrez decorando as linhas de jogo, folha por folha, lance
por lance, variantes e detalhes citados nos textos especializados. Tudo é
devidamente gravado, para ser mostrado como arma em futuros embates.
Entretanto, quando os outros concorrentes notam que aquele oponente é um
tipo “formiga”, simplesmente, adotam lances e movimentos não citados nos
livros, desta forma desestabilizam o seguidor de anotações. Assim, o “Senhor
Formiga” se perde todo, e acaba se enfiando em situações calamitosas logo na
abertura da partida. – Por isso, é muito importante e vantajoso conhecer o seu
adversário antes de uma partida, aonde você vai formando seu; digamos network de jogadores. Vemos que isto vale
para a vida nas relações humanas, principalmente nos negócios. Esta tática de
sair da linha de jogo usual, com um lance fora do livro, foi usada pelo GM
Garry Kasparov ao enfrentar programas de computadores. Até aparecer o programa
de computador Deep Blue, que teve grande repercussão mundial. Mesmo no Brasil
sem mídia esportiva especializada em xadrez, ficamos sabendo do embate entre
Homem contra Máquina em 1996.
Esta expressão do título me reporta ao meu tempo de escola, que tinha um
famoso “Senhor Formiga” da vida real, era o colega João, que acreditava
piamente em tudo que era impresso, não só com relação ao xadrez, mas em todos
os folhetos, jornais, apostilas, livros etc. Tudo era devorado. Logicamente, no
xadrez passava pelos principiantes, vencia todos com facilidade, mas não
chegava as finais dos torneios, sempre ficava pelo meio da tabela.
Não existia matéria escrita que o amigo não gravasse cada detalhe, e
algumas vezes nos reunimos em grupo para estudas. João ficava possesso sempre
esbarrava numa discussão com alguém, juntamente, se o companheiro resolvesse
uma questão de outra forma, ou, encontrava alguma divergência, citada numa
edição impressa, seja de que matéria fosse. O encalorado estudante partia em
defesa de qualquer texto. Parecia folclórico, contudo o estudo fluía mesmo com
estas discussões.
Depois de meses de estudo, chegaram os dias dos exames, grande
oportunidade de aplicarmos nossos conhecimentos, pois um Colégio da cidade
estava promovendo um concurso para bolsas de estudo. Falei com meus pais, e
fiquei sabendo que eu iria concorrer apenas para as bolsas de cem por cento. As
coisas estavam difíceis. Então, fui à luta. Meu irmão preferiu não concorrer.
No final de cada prova voltava para casa e já começava a organizar para o dia
seguinte.
Foi uma maratona de cinco dias, e me perguntava: – qual seria a matéria
de amanhã? Do mesmo jeito que fazemos num torneio. Era esquecer o que passou,
sem lamentações, foi! E ficar focado na nova prova. E fiz assim nos dias de
exame. E dias depois saiu o resultado final, entretanto neste dia não foi possível
comparecer ao Colégio para vê as listas. Assim, liguei para o João, e pedi para
que verificasse meu nome, se possível? Visto que, em se tratando de coisa
impressa, ele deviria ver em detalhes a lista dos aprovados e as bolsas
reservadas aos mesmos.
Então, recebi uma resposta foi firme. – Paulo, eu vi meu nome, o nome do
Carlos e outros, mas o seu não me lembro de ter visto.
Agradeci e me preparei para voltar a minha rotina de Escola, as férias
estavam acabando. Na semana seguinte, depois de ir à Escola, disseram-me que
tinha uma correspondência esperando por mim. Era um envelope, que informava
sobre a minha aprovação para uma bolsa de cem por cento. Conforme o texto havia
um telefone que deveria ligar. Não perdi tempo. E a atendente me agendou uma
conversa com o Diretor do Colégio, Professor Paulo Aguiar. Acertamos que eu não
seguiria toda a grade curricular, visto que tinha a conclusão da Escola
Técnica. Contudo, eu poderia escolher algumas classes para frequentar, a fim de
me preparar para o vestibular. Dias depois, encontrei o João, e falei para ele
o acontecido. Ele me disse que tinha visto a lista de nome, mas que tinha
corrido todos os nomes abaixo do dele, e nem se lembrou de vê a primeira página
da listagem. De certo acho que ele começou a ler a listagem do final para o
começo, isto é, de trás pra frente, e parou no nome dele. O nosso devorador de
impressos falhou neste ponto. Contudo, o certo é que meses seguintes tive boas
aulas e o meu vestibular foi um sucesso.
E voltando ao xadrez, encontrei vários jogadores que se enquadrariam
como um jogador “formiga”, principalmente, no tempo da Escola. Os caras eram
incríveis, quando você perguntava alguma coisa sobre as linhas de jogo
descritas no livro Xadrez Básico, nossa bíblia enxadrística. Eram dois ou três,
que sabiam tudo de cor e salteado as linhas de jogo, nomes de jogadores, as
aberturas e assim mostravam o vasto conhecimento decorado. Eu ficava
impressionado com a capacidade e conhecimento dos companheiros, mas
pessoalmente não conseguia fazer o que eles eram capazes. O bom disso é que
eles sempre estavam ensinando os novatos, e tirando dúvidas dos iniciantes
sobre os princípios de abertura, finais e meio-jogo. Infelizmente, estes jogadores
nunca ganharam um torneio na Escola, chegavam perto, mas sempre eram batidos quando
enfrentavam oponentes experientes. Até os novatos, em pouco tempo estavam
fazendo frente a eles, jogando partidas duras. Como eu não tinha tempo para
ficar decorando me prendia aos princípios. Sempre dias antes de um torneio, eu
escrevia num papel os princípios das aberturas e dos principais finais, e punha
dentro de um livro e nas horas vagas dava uma lida neste papel pelo menos uma
vez ao dia. Para incorporar o espírito de jogo. O importante era anotar e ficar
lendo, feito isso, sempre vinha à mente os princípios do jogo e de vez enquanto
me dava bem.
E eu me perguntava como pode ser isso, o jogador sabe muito e não tem
resultado. Só vim entender algum tempo depois que não é assim. Que não se deve
prender apenas ao escrito dos livros devemos captar o espírito. Decorar ajuda,
mas não é tudo. A beleza do jogo está sua infinidade de combinações e posições,
muito além de nossa capacidade mental. Impossível tem tudo na mente de um
mortal.
O jogo ilustrativo foi disputado no "chess.com" e não precisei usar o método de jogar contra um "formiga", mas tem as capivaradas de nosso nível. Tudo bem! Veja como foi a vitória, que tem meus comentários.
Devido o sentido cavalheiresco e formal do ambiente enxadrístico, o
termo “formiga” para caracterizar um jogador decorador de livros, não é dito
nem em rodinhas de jogatinas, blitz, pilérias e encontros informais. De forma
geral o pessoal se reserva a conhecer e identificar este tipo de jogador e
mantém reserva, pois esta uma informação a ser usada em futuras partidas. E os
demais que o identifique por si só, visto que diante do tabuleiro todos somos
oponentes. Nas confrarias informais se costuma falar em “capivara” de forma
geral, para caracterizar aquele jogador de menor capacidade para desenvolver um
bom jogo, desta forma o jogador formiga faz parte do grande grupo de
“capivaras”. Do qual faço parte, sendo apenas um servo seguidor das boas
práticas do xadrez bem jogado. Concluímos que é fundamental e necessário
entender o sentido das aberturas e as características das linhas de jogo. Tanto
no xadrez como na vida real a gente tem que entender as entrelinhas dos textos
que aparecem na nossa frente, a fim de que possamos usar este conhecimento na
realização de nossos sonhos.
Observação
(1)
“capivara” – jargão
enxadrístico para caracterizar aquele jogador de menor capacidade para
desenvolver um bom jogo, consequentemente, perde muitas partidas.
(2)
Sobre a pontuação dos lances temos por unidade o “peão”. E quanto o
sinal do número: se for positivo significa vantagem do time branco e se for
negativo vantagem do time preto. Por exemplo: +0.50, significa que o branco tem
vantagem de meio peão nesta posição.
(3)
Esta análise foi feita por mim no ambiente do "chess.com" o qual sou filiado. Espero que tenham
curtido a partida. E caso queiram jogar pela internet, temos o site "chess.com", é muito, muito divertido.
(4)
A anotação das Peças= inglês/português: Torre=R/T;
Cavalo=N/C; Bispo=B/B; Dama=Q/D; Rei=K/R; Peão=P/P;
Referência
- Horton, Byrne J.;
Moderno Dicionário de Xadrez; Câmara Brasileira do Livro – São Paulo-SP, 1973.
- Site de jogos pela internet, que sou filiado: www.chess.com
Autor:
Paulo Sérgio e Silva
\PSS
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