Xadrez – Preto e Branco só isso

Na essência do xadrez já está presente o antagonismo de dois reinos desde sua criação, esta luta teve por convenção a existência de um time de cor clara: “bando branco”; e um time de cor escura: “bando preto”. Felizmente, é bom enfatizar que não existe uma conotação de raça, e sim, uma diferenciação apenas. Vejamos o piso de jogo, que é quadriculado com as cores das peças se alternando em quadriláteros perfeitos, mesmo o piso do reinado brando tem quadros pretos, e assim o piso do reinado preto; muito democrático. Pois, vivemos no mesmo mundo independente das nossas cores.



Citando o jogo nobre; alguém deve começar o jogo. Hoje o time branco começa. Entretanto, no passado, dentre outras regras uma não definida era quem dava o primeiro movimento, em alguns lugares começava o time preto, por exemplo: em 1749 que um tratado de xadrez foi publicado por André Philidor1 decretou que um jogo começaria com as “peças escuras” fazendo o primeiro movimento. Mas, ainda assim havia discordantes e em outros lugares. Em 1857, o secretário do Clube de Xadrez de Nova Iorque, Sr. Pennin, decretou a mudança a ordem de início da partida com as peças brancas. Então, depois de uma unificação das regras houve o entendimento de que o time branco daria início ao jogo. E em 1924, com a criação da FIDE (Federação Internacional de Xadrez) as regras foram consolidadas.

Isso mesmo! Não existe referência racista nisso: somente convenção. As regras ordenaram o encontro de dois grupos quase iguais, semelhantes, e diferentes, no mesmo espaço. Que eleva a beleza das peças irmanadas dentro de um tabuleiro até o início da próxima batalha.

O tema preto e branco nos faz lembrar de muitas coisas de nosso cotidiano, vamos citar algumas destas pitorescas alusões a este termo. Temos os times de futebol com suas camisas alvinegras, em particular o Ceará Sporting Club, time do meu coração “preto e branco”. E tem outras; quem foi ao Rio não esquece do calçadão de Copacabana, que tem mais de quatro quilômetros em pedras trabalhadas em estilo português. Também, a lembrança das fotos antigas do início do século vinte. Os velhos filmes “mudos”, ou não, antes dos anos sessenta. O charme dos vestidos elegantes das senhoras de uma festa noturna, sempre aparece uma bela trajando as “preto e branco”, que sempre está na moda. Os cantados teclados de um piano, o ébano ao lado do marfim, Paul McCartney que o diga. Quem não lembra dos documentos importantes para assinar, impressos em “preto e branco”. Acima uma gravura do meu desenho em lápis grafite dos “olhos de mulher em preto e branco”, resultante de meus momentos de treino, também se encaixam nos inúmeros exemplos das imagens em “preto e branco”.

E assim, vamos viajando pelas lembranças e imaginações sobre dois espectros, meio fantasmagórico; de um parece, mas não é. São duas superfícies bem antagônicas, que fazem sucesso uma perto da outra, bem juntas, numa relação como o encontro das águas de dois famosos rios: Solimões e Negro. Quem sabe no infinito elas se transformem numa coisa só.

Pelos preceitos físicos o preto não é cor, apesar de ser percebida como tal, é na verdade a ausência de cor. E o branco é a superposição de todas as cores. Esse nosso cérebro sempre nos causando surpresas com sua forma de simplificar e brincar com nossas limitações.

Falando em “preto e branco”. Neste ano que passou, o velho 2020, que será lembrado pelo ano da chegada da pandemia, o desconhecido bateu à porta. No começo até os incrédulos ficaram parados, não saíram às ruas, apenas lagarteando2 ao sol, vendo no que poderia dá tantas infecções. Depois de algum tempo, foi surgindo dentro das pessoas uma necessidade de mudança. Reflexões e reflexões. Pois, o “Covid-19” mostrou feridas nas relações sociais. Talvez a necessidade de gritar por um mundo melhor. As condições climáticas, a migração, o racismo , a condição feminina e outras. Destes, eclodiram os eventos raciais violentos nos Estados Unidos da América, que geraram uma reação nunca vista antes, desde os tempos de Martin Luther King assim protestos eclodiram, principalmente, quanto ao racismo institucionalizado, o movimento “Black lives matter”, tudo isso em plena pandemia. Fiquei impressionado diante da televisão, quando vi aquelas multidões protestando, diante de um risco de contaminação grandiosa, mas isto não os calou. Que coisa impressionante. E como uma onda foi se espalhando pelo mundo. Para deixar tudo “preto no branco3”, possivelmente, estes movimentos tenham melhorado a forma como a sociedade deve encarar o problema. Com leis severas aos infratores, que se escondem no anonimato de uma mídia social. Dizem uma coisa e desmentem o que disseram, quando chamados a responsabilidade. E autoridades que minimizam a situação e passam a mão na cabeça. Mas, este mundo é um “Big Brother” gigante, tudo sendo registrado.

Vou contar um episódio rapidamente. Quando era criança não via a cor da pele das pessoas. Eu tinha um vizinho muito amigo, que diariamente brincávamos antes de ir para Escola. Um dia estava somente eu e este amigo, brincando de Forte Apache, quando um dos meus índios matou um soldadinho do forte. Ele não gostou, e mudou a regra da brincadeira na hora. Reclamei que não era justo e houve uma divergência, não lembro em detalhes. Mas, depois de alguns empurrões, ele gritou: – sai daqui seu negro! Vai embora! Parei de repente, acho que o tempo parou. Ouvi os gritos. Até que me movi. E corri para casa e entrei como uma bala e fui para debaixo da cama. E minha mãe veio me perguntando o que aconteceu. Quando ela estendeu a mão e segurou a minha, vi a cor clara de sua pele. Nunca tinha notado a diferença e perguntei: – Mamãe, porque sou diferente? Ela não entendeu, acho graça. Respondeu calmamente, passando a mão em minha cabeça; – vem, que está na hora da Escola, você não é diferente, você é normal igual a qualquer um. Depois de me arrumar, perguntei: – Mãe e quanto aos negros? Ela respondeu, meninos neste país todos somos iguais perante a lei, e deu um sorriso. Olhei para trás e fui rumo a escola. E não me concentrei na escola naquele dia, algo mudou, fiquei vendo que havia diferença entre os alunos. Que descoberta, passei a vê o mundo em “pretos e bancos”. Nunca esqueci aquele dia. Logicamente, fui entendendo, mamãe veio com jeito conversar comigo e tudo ficou normal. Acho que cresci naquelas semanas mais do que cinco anos. Passei por outras situações de preconceito, mas vamos deixar para outra oportunidade.

E algum tempo depois, veio o xadrez, “preto e banco”, que aprendi a jogar xadrez, ou mexer as peças, o primeiro jogo que chegou a nossa rua. As peças e o tabuleiro brilhavam diante da luz do sol, eram bem pretos e bem brancos. No começo conheci a derrota, aprendi com a derrota, depois vinharam as vitórias e o dono do belo xadrez “preto e branco” se escondia de mim, ou tinha outros interesses. Mas, nunca esqueci daquele brilhante jogo de peças. Que trouxeram tantas emoções e disputas, a primeira vitória, os momentos divertidos, os sonhos e a alegria.

Neste mês de dezembro de 2021, o campeão mundial Magnus Carlsen manteve o título, que foi defendido brilhantemente. Parabéns ao campeão.

Vou concluir com um pequeno ensinamento.

Gosto das palavras do Steve Jobs, quando ele aconselha que “seja faminto”, entendi que, ser faminto por conhecimento, faminto por harmonia, faminto por amor, faminto por paz...; “e seja bobo”, bobo para provocações, para picuinhas, para baixaria, para racismo etco exercício difícil de deixar uma coisa entrar por um ouvido e sair pelo outro.

Paz para todos nós!


Observação


  1. Texto da referência 1: “De acordo com o dicasxadrez1, foi em 1749 que um tratado de xadrez foi publicado por André Philidor decretou que um jogo começaria com as peças escuras fazendo o primeiro movimento. Tempos mais tarde, isso foi alterado, em 1857, pelo secretário do Clube de Xadrez de Nova Iorque, Sr. Pennin, mudando a ordem de início da partida com as peças brancas. Mais tarde, em 1889, o primeiro campeão do mundo de xadrez, W. Steinitz, ratificou que o jogador com as peças brancas é quem deveria começar a partida, em 1927, E. Lasker, o segundo campeão do mundo, também afirmou que o branco faria o primeiro movimento.”

  2. Lagartear – termo usado pelos moradores do estado do Rio Grande do Sul para caracterizar o ato de se deitar na grama ao sol, como os lagartos fazem.

  1. Expressão “preto no branco”. https://www.dicionarioinformal.com.br/preto+no+branco/



Referência

1 - Xadrez, primeiro movimento: https://www.fatosdesconhecidos.com.br/por-que-as-pecas-brancas-sempre-dao-inicio-a-partida-no-xadrez/.



2 - Site de jogos pela internet, que sou filiado: www.chess.com



Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Xadrez – Cegueira enxadrística.

Xadrez – Campeão do Torneio Máster de Xadrez n-23 jogado por celular

Xadrez – Viagens e a disputa do título mundial de xadrez em 1987