Xadrez da vida – Conselheiro e Herói

A vida aos poucos está voltando ao próximo do que era antes da pandemia, contudo continuamos tendo vítimas pelo mundo. Penso que estamos na onda três, mas no rádio alguém anunciou que já estamos na quarta onda. Não vou discutir, pois o certo é que estamos em Fevereiro de 2022, e ainda gente está morrendo de “Covid-19” pelo mundo afora. Enquanto isso, vou buscando algum conhecimento nos livros que me cercam. De repente, lembro de uma curiosidade enxadrística que me deparei nestes dias, foi sobre o nome da Dama e Rainha do tabuleiro do jogo de xadrez. Em países como Arábia, Bornéu, China, Coreia, Irã, Turquia e outros, a Dama é chamada por Conselheiro. Contudo, em Java o Conselheiro é o Bispo do jogo que conhecemos neste lado do mundo.


Desenho "Antônio Conselheiro", em lápis grafite e de cor, desenhado por PSS

Nestes lugares onde a Rainha não figura no tabuleiro, leva-nos a questionar. Será que existe algum motivo para não ter uma figura feminina forte no jogo, ou, é apenas uma destas convenções? Por certo as crenças e os hábitos culturais destes povos devem ter influenciados nesta denominação. Com certeza é algo para a gente ficar matutando por horas. Conselheiro é uma nomeação interessante, para esta peça importante do jogo, contudo gosto de pensar num jogo de xadrez com duas Damas com é na maioria dos países, principalmente, nos ocidentais. Esta é uma boa discussão sobre a presença de uma poderosa figura feminina na arena de jogo, assunto este que poderemos explorar numa outra oportunidade.

Agora vamos nos ater ao nome Conselheiro. Que também nos faz lembrar de outras personagens brasileiras, para não alongar, vamos falar somente de dois conselheiros nacionais, assim como se fosse num jogo de xadrez diríamos que estes conselheiros viveram em lados opostos, duas realidades distintas, um no bando branco e outro no bando preto.

O primeiro veio lá das bandas das Minas Gerais, onde temos uma cidade denominada de Conselheiro Lafayette, que faz referência a Lafayette Rodrigues Pereira filho da terra, natural da cidade, que antes se chamava Queluz. Ele nasceu em 28 de março de 1834 e faleceu no Rio de Janeiro em 29 de janeiro de 1917, advogado, jornalista e diplomata, fez história na política. Este notável jurista também foi Presidente das Províncias do Ceará e do Maranhão para completar mandatos. Foi Senador de 1880 a 1889, também, e chegou a ser Conselheiro de Estado do Império em 1882, além de outros cargos. Depois da Proclamação da República teve destacado trabalho na participação da criação da União Internacional das Repúblicas Americanas, depois União Pan-Americana. Homem de letras, culto, que atendeu tanto ao Império como a República.

Contudo, tem outra personagem contemporânea do destacado político mineiro com a mesma denominação, que movimentou o interior nordestino como se fosse um jogo épico da vida num tempo em que o Império deu lugar a República.

Vamos atentar para uma figura humilde. O Senhor Antônio Vicente Mendes Maciel, que nasceu em Nova Vila de Campo Maior, que hoje é a cidade de Quixeramobim, Ceará, em 13 de março de 1830. Não era um homem de letras, ainda menino sua família desejava que seguisse a carreira sacerdotal, infelizmente eventos interromperam o sonho de seus pais. Entretanto, foi comerciante e professor de escola primária. O certo é que Antônio Vicente foi lapidado pela vida e pela fé. Nasceu em família humilde era um verdeiro peão, depois da morte dos pais, trabalhou no comércio da família e se casou. Em busca de vida melhor morou em diversas cidades da Província do Ceará até se estabelecer em Ipu, neste lugar teve uma grande desilusão amorosa, que o fez abandonar a família e fugir para o sertão do Cariri, e andou pelo tabuleiro da vida, juntando-se aos peregrinos, visitou outras Províncias nordestinas. Na Bahia o homem de carisma e aparência estranha atraiu seguidores. Como se fosse num jogo de xadrez foi promovido de peão a uma peça de maior importância, líder religioso, num reino de pedras e cactos, que compunham um quadro de seca bem nordestina. Falando em seca, ocorreu no ano de 1877 uma seca muito grande. A fama do chefe comunitário correu o sertão. Então, nesta região quando alguém falava em Conselheiro, aparecia logo a mente a alcunha de Antônio Conselheiro, que se tornou líder religioso de Canudos, seu nome verdadeiro era Antônio Vicente.

Naquela época a seca queimava o sertão e as esperanças de milhares de pessoas, que foram expropriadas de suas propriedades pela fome e condições políticas desfavoráveis. Um povo desamparado e faminto, que em certos casos invadia propriedades, sítios e fazendas abastadas, mesmo diante de sua crença religiosa. Entretanto, acreditavam que pegar o que estava sobrando não era pecado, ao contrário do que pensavam as autoridades locais. E os diversos grupos de flagelados, bandidos armados e ex-escravos seguiam sem rumo em busca de auxílio do poder público. Quase sempre, eram impedidos de entrar nas maiores cidades. Até que uma voz os aglutinou, Antônio Conselheiro, autodenominado “O peregrino”. E a fama de Conselheiro correu o sertão atraindo todos os desesperançados. Este líder os recebeu e os confortou dando sentido as suas crenças. A comunidade de rejeitados tomou corpo. E em 1893, os seguidores de Antônio Conselheiro fundaram o Arraial de Canudos, no interior da Bahia, isso mexeu com os políticos locais, e consequentemente, incomodou o governo brasileiro. Pois, os assentados tinham suas próprias instituições, e passaram a questionar a cobrança de impostos, além disso, foram acusados de ser simpatizante da Monarquia, recentemente destituída de seus poderes, para dar lugar à República. Com base neste comportamento político narrado pelos poderosos Coronéis do lugar, o Governo Federal, sob a presidência de Prudente de Moraes, enviou tropas para atacar Canudos, gerando assim o conflito, para acabar de vez com estes revoltosos. Nesta guerra em Canudos além dos muitos simpatizantes, também foi morto Antônio Conselheiro, em 22 de setembro de 1897. Durante a guerra Euclides da Cunha foi correspondente do Jornal “O Estado de São Paulo”, e em 1902 publicou seus registros no livro “Os Sertões”.

Dois conselheiros que viveram em lados políticos distintos, num mesmo período da história do Brasil, um sempre na posição, e outro que foi levado pelas circunstâncias para oposição. Vendo assim, parece ser um jogo de xadrez da vida. - Não é mesmo?

Pelo menos isso, no dia 14 de maio de 2022 serão três anos que Antônio Conselheiro foi homenageado como herói do Brasil.



Observação

-   Antônio Conselheiro em 14 de maio de 2019 foi homenageado como Herói Nacional.




Referência

https://www.otempo.com.br/brasil/antonio-conselheiro-lider-em-canudos-e-homenageado-como-heroi-do-brasil-1.2181453

Partidas 1902: https://www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1099345

Sobre Consellheiro Lafayette: https://www.migalhas.com.br/quentes/53134/ha-91-anos-faleceu-o-notavel-jurisconsulto-lafayette-rodrigues-pereira.

Bibliografia

Horton, Byrne J.; Moderno Dicionário de Xadrez....





Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS







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