Xadrez: Dedicado ao amigo Francisco de Assis

No grupo de amigos de um aplicativo de conversa, foi citado o nome de um amigo, que há muito não lembrava. Algumas fotos antigas foram postadas e alguém mencionou diversos nomes dos que estavam na foto. Até que alguém citou que era Assis, que estava no centro da foto, e outro completou citando que o amigo tinha falecido em 18 de Julho de 2014. Então, dedico este artigo a lembrança do amigo que se foi.


Vamos falar um pouco de uma pessoa genial, que conheci na minha época acadêmica e depois no trabalho. Era daquelas pessoas de relacionamento ora difícil, ora brincalham. Mas, adorava diversão desde que tivesse uma bebida, qualquer atividade de lazer tinha que ter algo para beber. Tinha uma habilidade de estudar sem caderno, sem caneta. Chegava na universidade com um livro debaixo do braço, sentava lá no fundo da sala de aula e ficava ouvindo, simplesmente ouvindo. Quando a gente falava com ele nestes momentos, ele só fazia um sinal de silêncio, para então em momento oportuno perguntar sobre o que a gente estava perguntando.

Estava numa daquelas manhãs num auditório do Curso de Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Ceará. Como tudo sua tem a primeira vez, vamos contar como apareceu o nosso personagem. Estávamos naquele ambiente acadêmico, primeira aula do dia, numa aula de cálculo três. O professor estava resolvendo problemas, quando ouvimos uma voz lá do fundo do auditório. - Professor, por obséquio, existe uma forma mais fácil de fazer isso. O mestre parou e procurou, quem estava falando, quando localizou, parou e ficou em silêncio; e disse, - então venha nos mostrar a melhor forma de resolver este problema. E foi a primeira vez que vi o amigo Assis Oliveira. Estava de óculos escuros grandes, deveras bem chamativos, embora estivéssemos dentro do auditório diante de luzes artificiais. Silêncio total. Levantou calmamente e foi descendo seguiu para frente da audiência. Quando alguém gritou: - vai “Ted Lover” (nome de um personagem da novela da época). A plateia sorriu e aplaudiu. Contudo, o silêncio voltou, não deu atenção as pilérias, e começou a demonstrar não uma forma de fazer, mais duas formas além do que o mestre tinha discorrido. Tudo ficou claro, o problema complicado tinha sido desmiuçado, melhor do que o professor tinha feito. A turma vibrou ao final da apresentação. Nas semanas que se seguiram, as aulas de resolução de problemas, foram conduzidas pelo amigo, que apareceu como bolsista de Cálculo do Centro de Tecnologia.

Não tinha caderno. Sempre levava um livro, que estava lendo naquele momento, mas este não tinha ligação com a matéria da aula lecionada no momento. Tivemos algumas turmas em comum no Centro de Tecnologia. Entretanto, ficamos sabendo que o Assis sempre priorizava as matérias lecionadas no campus do Benfica. Algumas vezes nos encontrávamos nos bares da Avenida Jovita Feitosa, que é uma das vias de acesso ao campus do Pici, onde o pessoal se encontrava depois das aulas no final da manhã de sábado. Lembro de uma vez, quando o amigo Assis me pediu para vê o meu caderno, então mostrei, enquanto a gente bebia uma cerveja. A turma conversava falando alto, outro cantava, e aparecia alguém para gritar. Enquanto isso, o amigo de pernas cruzadas, bebendo e fumando no canto da mesa, lia calmamente o caderno. Alguns diziam, - Assis, a prova é segunda, se não aprendeu até agora, lascou! - Não sei se ele ouvia. Ficava imóvel concentrado no caderno, só parava para encher o copo e acender outro cigarro. Depois da leitura se integrava a bagunça.

Algum tempo depois, passada a vida acadêmica, encontrei Assis no mesmo concurso de admissão de uma grande Empresa Estatal, e fomos fazer um curso de especialização de pouco mais de um ano na cidade de Salvador-BA. Todas as sextas-feiras tínhamos avaliação, que tinham caráter eliminatório. Entretanto, quero destacar como o Assis Oliveira tinha uma capacidade de aprender com facilidade, era diferente, não tinha caderno, simplesmente, não anotava nada ficava só ouvindo. Então, durante o curso, algumas vezes ele me pediu para estudarmos juntos. Assim, nas quartas-feiras a gente pegava os livros e seguia para um bar, chamado Cantinho dos Casais. Tivemos que convencer o pessoal do bar que a gente não ia atrapalhar os frequentadores do local, visto que lá era um local para casais. Durante o estudo o amigo me pedia para ler em voz alta, enquanto bebíamos nossa cerveja. Eu fazia as anotações dos trechos importantes, sempre fazendo um ditado, e o Assis só ouvindo. Depois deste estudo, ele fazia a prova e obtinha resultado bastante satisfatório, para quem não fazia anotações. Sempre achei muito interessante esta capacidade de aprendizagem através da leitura, e principalmente, só ouvindo alguém ler a matéria estudada. Era algo notável.

Certa vez confessou que tinha aprendido a mexer com as peças de xadrez, mas não continuou a praticar, porque tinha outras atividades mais interessantes em seus momentos livres. Do xadrez o que o atraia eram eventos quando tinham os coquetéis, fora isso, segundo ele era monótono. Chegava na sala de xadrez da Universidade andando lentamente entre as mesas. Sabe aquele tipo que diante de uma partida, sentava calmamente do lado e ficava fumando, vez ou outra, fala algo que não tinha nada a ver com o jogo. E grande parte do tempo fica olhando para algum lugar, pensativo, e de repente saia e dava uma volta pelo local, quase sempre desaparecia. Contudo, sempre que me encontrava perguntava como eu estava indo no xadrez, o que estava fazendo e as partidas etc. Estas pergunta do tempo de escola, também, foram feitas em nossa convivência profissional.

Este texto é um tributo ao amigo Francisco de Assis Oliveira, que tinha uma inteligência privilegiada no trabalho de engenharia, mas que não ligava para saúde, e nos deixou tão cedo. Um grande abraço ao amigo a onde ele estiver.





Autor: Paulo Sérgio e Silva

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