Entre o xadrez e o forró, nasceu novo jogador

Estas coisas de trapaças no xadrez, é uma dessas situações, que a gente só fica sabendo depois. Na hora você acha estranho algumas situações, desconfia de algo, mas só vai saber mesmo que existiu algo diferente, somente depois de analisar os fatos ocorridos. Assim, vou narrar uma história da vida real. Uma situação similar ao uso de “engine” (motor ou programas de jogar xadrez) para trapacear.


Em meados dos anos setenta. Uma nova família veio morar no bairro do Benfica, ficavam no caminho do curso de inglês na Universidade Federal, quando passava tinham os “boa tarde” e os “boa noite”, e para completar frequentávamos os mesmos lugares das redondezas. Logo formamos um laço de amizade. Eles eram oriundos do estado de Goias e trabalhavam com frigoríficos. Negócio era carne bovina. Ficamos sabendo que o pai dos meninos era representante e um importante frigorífico, que estava começando a entrar no mercado nordestino, por isso a perspectiva era que ficassem por aqui por um bom tempo. A amizade foi se estreitando com os vizinhos, passaram a participar de atividades do bairro, como o jogo de bola com os meninos da região nos finais de tarde; conversas diárias à noite durante a semana; ida à feirinha de artesanatos às quintas-feiras na pracinha da Universidade. Quanto ao jogo de xadrez, neste momento, o pessoal não ficou muito empolgado.

Vez ou outra, os novos vizinhos faziam churrasco ao som de Benito de Paula, sucesso do momento, e sempre terminava em forró ou em carnaval. Tudo regado a muita cerveja gelada. Meses depois, chegou na casa um parente deles, eram um casal jovem, bem amistoso, que se enturmou rapidamente. No início, Carlos era de poucas palavras, tinha um corpanzil, enquanto nos éramos magros, ele se destacava com seu porte acima do peso, mesmo não bebendo. Contudo, o amigo era bom de garfo. E sua esposa Maria, ao contrário, era muito comunicativa, alegre, e gostava de dançar nas festas. Não faltava quem não aceitasse uma dança com a jovem mulher.

Quando falei do xadrez, os meninos da família nem prestaram atenção no jogo, contudo o novo casal ficou curioso para conhecer como se jogava. Ficaram interessados em saber o movimento das peças, eram muitas dúvidas; e pensei, encontrei uns alunos. Como não me furtava a ensinar o fantástico jogo a quem quisesse, rapidamente me pus a disposição. Eles aprenderam em pouco tempo, e a interação foi ótima neste período. Rapidamente, estavam fazendo frente com outros oponentes da rua.

Observei algo peculiar. Achava estranho o fato que nas reuniões festivas, eles começavam a dançar, e quando outros casais tomavam coragem para danças e ocupavam o salão, a festa estava formada. Então, Carlos dava a vez para algum outro dançarino, que parecia não escolher quem. Isso atraiu um número de fãs, que já ficavam esperando a sua oportunidade, para dançar bom a bela e jovem senhora. Lembrava um campeonato de dança, algumas vezes a jovem pedia um tempo. Enquanto, os rapazes ficavam aguardando o sinal de disponibilidade de Maria, para voltarem a bailar.

Teve um dia, que praticamente só Maria bailou na sala dançando com que estivesse lá, até eu dancei um pouco, até que além dela outras garotas apareceram, mas não tinham o gás da jovem mulher. Por sua vez, Carlos parecia selecionar os pares. - Hei, Fulano! Tá bom, dá a vez ao ciclano. Neste momento, o par era trocado. Nem tinha prestado atenção, que existiam preferidos, pois um dos meninos ficava mais tempo na dança, tudo com a anuência do esposo. Nem prestei muita atenção. Até ouvi alguns descontentes se lamentando da prioridade de Carlos dada para um fulano, permitindo que esse ficasse mais tempo com Maria durante o baile. E de vez enquanto, Carlos pedia uma iguaria e alguém ia pegar, algumas vezes fiz esta gentileza. Em outras oportunidades. Numa mesa do canto, a gente ficava jogando um xadrezinho enquanto o forró corria pelo salão.

Alguns meses se passaram, veio o dia da despedida. No dia anterior, fui a casa deles para jogar xadrez, Carlos me mostrou o jogo de xadrez, que tinha comprado, e me agradeceu pelas aulas. Mais tarde a festa foi grande, contudo a nossa dançarina não ficou tanto tempo dançando. Tinha que ajeitar as coisas, guardar presentes, conversar com amigos, que vinham para vê-los. No outro dia cedo, domingo, veio um carro e arrumaram as coisas e foram embora. Cheguei poucos minutos antes do carro sair, para dar aquele abraços aos amigos, que estavam indo embora. E foram.

Depois, parte do pessoal foi a praia, resolvi ficar mais um pouco, contudo observei que o acompanhante, escolhido durante os bailes, o predileto, estava triste. Fui lá e o cumprimentei, falamos pouco, contudo percebi um desapontamento por parte do jovem de cabelos loiro. Era apenas um conhecido de minha pessoa, frequentador da casa dos amigos. Guardei comigo a impressão de tristeza. E voltei com os manos pra casa. Dias depois.

Ficamos sabendo que Maria estava grávida. E os familiares estavam felizes com a notícia.

Então, comentei com a tia de Maria: - depois da despedida, vi que o garoto da dança, o “Loirim”, tinha ficado muito chateado com a situação.

A tia me respondeu: - também, fazer isso com o rapaz. Não acho certo.

Retruquei: - Foi mesmo?

E a tia me chamou para mais perto e confidenciou. - Os comentários, sobre as consultas de Carlos ao médico eram verdadeiras. Carlos era estéreo. Esse era o problema.

Nem sabia dos comentários. Diante destas revelações, ela me pediu segredo, que ficaram latentes até estes escritos. Nada foi dito antes com ninguém. E se foram mais de 40 anos.

Assim, o baile na verdade se tratava duma seleção, onde o jovem casal estava escolhendo um natural fornecedor de sêmen. E o escolhido, no caso foi o “Loirim”, que teve como paga os momentos de prazer do ato em si, mas ficou com a dor de uma paixão interrompida. Ou, proibida. Nem sei se ele ficou sabendo do rebento que ajudou a gerar. Contudo, disseram entre risos, que dá parte dos familiares foi um milagre do clima, do sol e da água cearense. O povo acredita em tudo. Pois o importante é que eles ficaram felizes, até onde sei.

Depois disso, pouco se falou do casal de amigos, disseram: - eles e a criança estavam bem. E mandam abraços.

Só isso. E perdemos o contato total, quando algum tempo depois a família goiana se mudou para outro bairro, e parte dos amigos voltaram para seu estado de origem.

Realmente, esta é uma situação similar a trapacear no xadrez, principalmente no xadrez online, quando a gente fica sabendo depois, apenas quando começa a ligar os pontos, ou alguém vem e conta o ponto chave dos fatos para você. Durante a ocorrência do fato, não existe possibilidade de detectar a infração. Realmente, só depois é possível. Houve uma transgressão da ética e dos costumes, coisa similar ao que acontece no jogo de xadrez, que sempre pega a gente de surpresa.

São estas coisas sutis que: assim como é no jogo de xadrez, também é na vida real.

Espero que tenham gostado.



Referência

(1) O que é um “engine chess”: https://en.wikipedia.org/wiki/Chess_engine

(2) Site onde jogo xadrez, e ao qual sou associado: https://www.chess.com

(3) Apelido cearense para pessoa loira: “Loirim”.



Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS



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