Xadrez – Semana de jogos na Escola

Meados dos anos setenta, ingressei na Escola Técnica Federal do Ceará (ETFCE), hoje chamado de Instituto Federal de Educação (IFCE), tudo era novo. Nesta instituição encontrei amigos e professores dedicados, aos quais sou muito grato. Encontrei um grupo de xadrez, que se reunia diariamente, e o grupo discutia os feitos dos Grandes Mestres (GM) da época. O jogador GM Bobby Fischer era o assunto do momento, também, outros nomes do mundo do xadrez eram referência, como: Boris Spassky, Victor Koschnoi, Anatoly Karpov, Vasily Smyslov, Mequinho e muitos outros. Nunca tinha ouvido falar destes extraordinários jogadores, verdadeiros Grandes Mestres. Também fui apresentado aos livros de xadrez, tudo me fascinava.

 

E como tinha passado no exame de seleção da Escola em terceiro lugar geral, sempre apareciam pessoas querendo me conhecer.

A competição dentro e fora da classe de aula era notória. A escolha do curso técnico específico dependia de sua colocação no final do ano básico, pois os primeiros lugares tinham prioridade na escolha do curso, e os últimos ficavam com as vagas que sobrassem. Enfim, neste mundo competitivo, espontaneamente se formavam grupos de diversos tipo, havia a turma de estudo das matérias curriculares, de estudo para as provas e testes, de atletismo, de bolsistas, da diretoria do grêmio recreativo, das diversões na praia, do xadrez etc, era só escolher seus nichos. Havia convite para participar de diversas formas de reunião. E no meio disso, também havia gente disposta a ensinar e a mostrar de verdade como eram as coisas na Escola, tanto no âmbito curricular como no esportivo.

Encontrei uma turma de xadrez muito ativa. Quando surgia alguma novidade, alguém vinha com um recorte de jornal e compartilhava o assunto. Era discussão a semana toda envolta daquele artigo, sempre tinha uma partida nova e seus detalhes, como tinha sido o jogo, quando, como, que abertura e assim o assunto era dissecado. Contudo, o assunto em questão não vinha só de uma fonte, existiam os livros e revistas. Dentre os livros citados, tinha um deles em especial que todos compartilhamos: “Xadrez Básico”, capa vermelha, de Dr. Orfeu Alberto D’Agostini. Livro em português, preço acessível, abordava o jogo do movimento inicial das peças até as partidas importantes, uma enciclopédia, com seus comentários enriquecedores.

Havia um momento, em que a competitividade era posta a prova. A semana dos jogos internos. Era uma semana sem aula, tudo voltado só para os jogos. Os alunos eram divididos pelo Ensino Básico (alunos que ainda estavam no primeiro ano e ainda sem curso definido) e os demais tinham suas especialidades técnicas: Edificações, Telecomunicações, Química, Eletrotécnica, Mecânica e outras. Cada curso técnico específico tinha uma equipe para cada modalidade esportiva. As torcidas nas arquibancadas, as correrias dos atletas em busca de sua prova esportiva, as bandeiras e os uniformes coloridos. Enchiam os olhos, o coração vibrava, os organizadores corriam para atender uma tabela de horários das competições, tudo junto era uma festa. Havia o ambiente barulhento do ginásio, do campo de futebol, das quadras esportivas e as bordas da piscina, ocupados pelos alunos, familiares e amigos, para empurrar seu time para vitória. Alegria, tristeza, emoção a flor da pele até o final.

Neste momento não se falava de nada externo da escola, na hora da disputa, não interessavam os problemas familiares, nem as notícias policiais, nem os escândalos políticos com suas prisões e impunidades, nem as matérias e seus exames, tudo parava na escola. A música ambiente tocava nos alto-falantes, interrompidas por um ou outro aviso, mas ninguém dava conta. Mas, também tinham aqueles que não participavam de nada e vez ou outra saia da escola e entrava no barzinho defronte. Lembro bem, tinha um bar em destaque: o “Bar do Raimundinho”, ou, simplesmente Raimundim no bom cearês. Lá eles paravam para bebericar e conversa em torno de uma mesinha de quatro lugares. Rolava até aposta. Compartilhavam a mesma bebida alcoólica ou outra coisa mais pesada, tinha pratinho de tira-gosto, os fumantes e sua fumaça que tomava conta do ambiente. Contudo, ainda bem que esta era uma minoria. Depois voltavam para vê e torcer pelos times prediletos, outros alunos nem tanto, iam direto para outros afazeres.

Lembro da minha última semana de participação nos jogos, pois estava no terceiro ano, além de conseguir ganhar medalhas no atletismo, também, ganhei no xadrez individual e no de equipe. Foi um feito memorável. No início da última rodada do campeonato de xadrez individual, eu ainda estava no campo de Futebol, logo que o jogo terminou fui correndo para os vestiários, tomei uma ducha rápida e troquei de roupa. Quando cheguei na sala de jogos, já havia no meu relógio 25 minutos, pensei quase, para a tolerância de meia hora. No futebol perdemos a final, ficamos com a medalha de prata, mas aqui não poderia vacilar, mesmo jogando pelo empate, para ficar em primeiro no geral do xadrez. E ganhamos essa final enxadrista por um fio, cansado, apertado pelo tempo, e como se viesse do céu, veio um erro fatal do adversário. Não deixei passar, e calmamente aceitamos os cumprimentos do oponente e amigos. No xadrez saber ganhar é tão importante, quanto saber reconhecer a derrota, isso faz parte da luta do nobre jogo.

No final o curso de Edificações foi campeão. Enquanto, o meu curso de Eletrotécnica ficou em segundo lugar na pontuação geral dos jogos, o bom é que participei da conquista da metade dos pontos de nosso curso. Foram momentos de glória, ter participado como organizador e como atleta dos jogos estudantis da Escola Técnica de 1978. Em casa, tinha uma gaveta inteira cheia de medalhas xadrez, futebol campo e salão, handebol, voleibol, atletismo corridas de 100, 200 e 400 metros individual e revezamento, salto em distância e outras modalidades. Como o curso de Eletrotécnica tinha menos gente que os demais a ideia era se inscrever no maior número possível de competições. Normalmente, ficava no banco, e caso precisasse a gente estava a disposição. Uma vez no handebol entrei e quase quebravam o meu braço, ainda bem que só ficou inchado por um dia. A compressa resolveu, e me impediu continuar ajudando o meu time em outras modalidades.

Sobre a gaveta cheia de medalhas e a estante com troféus. Um dia, o ladrão invadiu nossa casa e furtou os troféus, deixando a gaveta com as medalhas, mas meses depois quando eu ainda estava morando na cidade de Salvador (BA), fizeram uma faxina na casa da mamãe e as medalhas todas foram descartadas no lixo. Foi uma pena, entretanto a memória não foi apagada.

Muito legal ter vivido aqueles momentos com amigos, apesar de que a maioria deles ficaram no passado não lembro mais nem das fisionomias e nem dos nomes. O que valeu foi a construção de nossa história, mesmo assim agradeço a cada um deles por ter participado de minha vida direta ou indiretamente. Ainda guardo poucos amigos desta época, quando a prioridade era estudar. O lema era: faminto por conhecimento, sempre, e seguindo em paz.



Autor: Paulo Sérgio e Silva

\PSS


 

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